Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
O “caso Xico Sá” mostra o quanto é possível avançar com um mínimo de transparência e, como corolário, desvenda o mundo de contradições produzido pelas gotículas de pluralismo oferecido por nossa mídia impressa, dita “burguesa”. Aliás, a única que consegue prosperar no reino do mandonismo – para nossa desgraça, a mídia nanica repercute mas não prospera.
Detalhes e prolegômenos do caso foram apresentados com isenção na coluna da ombudsman da Folha de S.Paulo, Vera Guimarães Martins, no domingo (19/10), com o título “O voto que só não diz o nome” (ver aqui). Os comentários da ouvidora oferecem os elementos básicos para discutir a questão com uma perspectiva menos simplista e panfletária.
A direção do jornal embargou o texto do colunista esportivo a ser publicado no dia seguinte (sábado, 11/10), onde declarava o seu voto em favor da candidata à reeleição, Dilma Rousseff. A direção ofereceu ao jornalista duas opções: publicar o texto na seção “Tendências/Debates” (página A3) ou mudar a sua formulação para não enquadrar-se como “proselitismo partidário”.
Judicialismo imperial
O colunista recusou, pediu imediatamente a demissão em protesto contra a cassação do direito de manifestar sua opinião e postou nas redes sociais uma diatribe contra os paradigmas da Folha e do resto da grande imprensa (ver aqui). Em seguida, sumiu do mapa, evaporou-se. Não retornava os recados e mensagens, inclusive da produção do programa de TV do Observatório da Imprensa que seria exibido na terça seguinte (14/10).
Por sua vez, a Folha também não se manifestou, nem explicou as razões da ausência do colunista. Os leitores bombardearam a ouvidora indignados com a liberdade gozada por outros opinionistas e negada a Xico Sá. Não conseguiam captar nem entender a diferença entre o elogio a candidatos & programas e o delito de praticar “proselitismo eleitoral”.
E não é para entender. O jornalão assume no caso a mesma sutileza daqueles que admitem um direito mas não permitem que seja exercido por inteiro. Este bizantinismo, visivelmente herdado dos colonizadores ibéricos, só floresce em sociedades e instituições insuficientemente permeadas pelo Iluminismo.
Direitos ou deveres devem ser claros, portanto absolutos, tolerados integralmente ou liminarmente negados. O jornalão parece ter assimilado do ambiente à sua volta umjudicialismo tão intenso e tão imperial que em breve precisará de um STF intestino para dirimir as diferentes interpretações do seu código de conduta cotidiana, isto é, seu Manual de Redação.
Íntegra devida
Se um jornal se assume como pluralista, seus opinionistas devem gozar de plena liberdade para que este pluralismo seja visível, a olho nu. Se esta liberdade está sendo pervertida ou abusada, quem deve reclamar é o leitor, ou seu defensor: o(a) ombudsman.
Embargar um texto político na véspera de uma eleição é pênalti. A cobrança da falta, porém, só poderá ser consumada terminado o processo eleitoral. No meio do caminho, antes das urnas ligadas, merece cartão amarelo. Isso é pluralismo levado a sério. O resto é conversa mole pra boi dormir, como diria um dos mineiros que disputam a Presidência.
O “caso Xico Sá” comporta desdobramentos. Se o jornalista vítima de um ato arbitrário resolve espernear – o que se espera das vítimas de injustiças na esfera da comunicação social –, sua reclamação deve ser pública, notória, inequívoca. Protesto abafado ou envergonhado não é protesto, pode ser interpretado como manha. O rompimento com a tal “imprensa burguesa” deve ser perceptível. Se adotar a tática de que o bom cabrito não berra, estará fazendo o jogo daqueles que deveria condenar.
Xico Sá deve a seus companheiros de profissão e a seus leitores a íntegra do texto embargado (ver abaixo). Protesto na esfera da comunicação pede a boca no trombone. Com meia-boca não se vai a Roma.
Um comentário:
Aqui não é EUA. Lá os jornais divulgam o apoio no editorial. Aqui isto inexiste. E quem é esclarecido sabe quem os Frias apoiam. O leitor médio, não.
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