A Justiça Federal determinou, nesta sexta-feira (23), que o governo do Pará separe imediatamente os presos provisórios dos que já têm condenação definitiva, promova a abertura de 3 mil novas vagas no sistema penitenciário, construa novos unidades prisionais e solucione prioritariamente problemas detectados no sistemas de esgoto e elétrico, com o objetivo de preservar a integridade física e moral dos detentos.
A administração estadual também fica obrigada a fornecer medicamentos, ampliar vagas de trabalho interno e garantir a assistência educacional, social, religiosa, à saúde e o direito ao trabalho aos custodiados, sobretudo com a construção, reforma ou aparelhamento das enfermarias. O governo do Pará terá ainda de designar dois defensores públicos para o Centro de Recuperação Penitenciário do Pará I, II e III, garantindo assistência jurídica de qualidade, integral e gratuita a presos provisórios e com condenação definitiva, sem distinção no atendimento das categorias, conforme assegurado pela Constituição Federal.
As medidas constam de sentença de 63 laudas (veja
aqui a íntegra), em que a juíza federal da 2ª Vara, Hind Ghassan Kayath, apreciou ação civil pública proposta pela Seccional do Pará e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o Estado do Pará e a Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe).
Na sentença, a magistrada critica a gestão das casas prisionais, menciona decisões de cortes estrangeiras para firmar seu entendimento sobre as graves condições de insalubridade detectadas nos presídios paraenses, afirma ter constatado a presença de insetos e ratos, durante inspeção que fez pessoalmente, em dezembro de 2016, e ressalta que os gastos do governo do Estado com publicidade são muito elevados, enquanto os presídios encontram-se em precárias condições.
Num dos trechos, a sentença destaca que, apesar da adesão do Pará à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), em fevereiro de 2014, não há nos autos a comprovação de ações efetivas para sua implementação no Estado, do que se concluir que, até o momento, os benefícios prometidos não passam de expectativa de melhoria.
“Aliás, como visto, o Estado do Pará sequer conseguiu cumprir seu próprio planejamento orçamentário, revelando-se totalmente ineficiente na execução das metas traçadas, preocupando-se mais em reservar vultosas verbas para gastos com publicidade, em detrimento de melhorias no seu sistema penitenciário de forma a minorar o grave problema das condições indignas a quem vem sendo submetida a sua população carcerária”, afirma a sentença.
Ao mencionar jurisprudência da Corte Europeia dos Direitos Humanos sobre a proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes, a magistrada destacou que configura violação de dispositivos da Convenção os casos em que as condições de detenção nas prisões revelam graves atentados à dignidade humana e à integridade física, não podendo ser imprimido ao preso "um sofrimento de uma intensidade tal que exceda o nível inevitável inerente à detenção e que sua saúde e bem estar sejam garantidos de maneira adequada”.
Publicidade - Em relatório juntado aos autos, a Susipe informa que, nos últimos quatro anos, a capacidade de custódia das unidades prisionais sofreu um acréscimo de 1.161 vagas, passando de 7.469, em dezembro de 2013, para 8.630, em dezembro/2017. “À vista disso, fica claro que nem a meta estabelecida pelos requeridos nem a decisão liminar foram cumpridas. O número ínfimo de vagas criadas nos últimos quatro anos já não seria suficiente para atender a população carcerária existente no final de 2013. Com um acréscimo de cerca de 3 mil detentos, hoje o déficit é de 7.197 vagas. Em suma, dados da própria Susipe apontam que houve um acréscimo de apenas 1 161 vagas ao longo desse período, bem inferior ao número de novas vagas que o Estado do Pará alega ter criado em seus memoriais”, fundamenta a juíza.
A sentença acrescenta que, mesmo em um cenário hipotético, em que não houvesse recursos públicos disponíveis para a execução das ações sociais dirigidas à construção, ampliação e reforma das unidades prisionais do Estado, “as limitações orçamentárias jamais poderiam justificar a inércia do Estado do Pará na implantação das melhorias urgentes e necessárias do Sistema Penitenciário quando se oberva o volume de recursos destinados anualmente à Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), mais especificamente para a publicidade das ações de governo”.
A magistrada inseriu na sentença um quadro comparativo dos recursos reservados para publicidade e para as obras da Susipe, nos exercícios de 2014 a 2017. Em 2014, por exemplo, o orçamento da Secom era de R$ 34,3 milhões e o da Susipe, de R$ 9,9 milhões. Em 2017, os recursos orçamentários da Superintendência já eram de R$ 34,7 milhões, mesmo assim abaixo do orçamento da Secretaria de Comunicação, de R$ 40 milhões.
“À vista deste quadro, cai por terra o argumento dos requeridos no sentido de que o orçamento planejado na gestão anterior não teria contemplado recursos para investimento em reformas e construções, em especial quando se verifica que os valores destinados a obras da Susipe sempre foi significativamente inferior ao montante reservado para gastos com publicidade. Ademais, o Estado do Pará tem o mesmo Chefe do Poder Executivo desde o ano de 2011, tendo sido reeleito em 2014. Portanto, desde o ano de 2011 são as mesmas autoridades públicas que administram o caótico sistema penitenciário e executam o orçamento de governo.”
Acrescenta a magistrada: “Dito isto. não se justifica o estado atual de coisas que revela, senão desorganização e inexistência de controle estatal, total falta de compromisso do Estado do Pará e da sua Superintendência do Sistema Penitenciário na execução das obras planejadas, programadas e orçadas, cuja concretização proporcionaria melhorias incalculáveis e encadeadas não apenas para a população carcerária diretamente afetada, mas para todos os indivíduos, agentes públicos e privados, envolvidos no dia-a-dia carcerário.
“O que falta?” A juíza classifica de “gravíssimo” o problema da superlotação e afirma que “a responsabilidade pelo caos instaurado não pode ser atribuída exclusivamente à conta da ação (ou omissão) do Estado do Pará e da Susipe. Todavia,o que se pretende aqui é que estes entes, protagonistas na gestão do sistema carcerário, executem com plenitude as atribuições que lhes competem no intricado sistema que envolve também órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, representada pelos autores da ação, os advogados. Assim, se há superlotação; se há excedente de presos provisórios; se há p revisão e orçamento para a abertura de novas vagas; se as vagas previstas absorverão completamente a população carcerária; se a absorção dessa população carcerária pelo sistema viabilizará a execução das reformas necessárias nas unidades já existentes e possibilitará a implementação de todas as políticas sociais asseguradas aos indivíduos encarcerados, pergunta-se: o que falta?”, questiona a sentença.
Hind Ghassan lembra ainda que teve a oportunidade de vistoriar os Centros de Recuperação Penitenciária I, II e III, em dezembro de 2016. Naquela ocasião, foi constatado que os CRPP I e II mantém esgoto/fossa a céu aberto, com odor fétido e forte, e que o CRPP III apresenta alagamento (atribuído à falha no projeto) e cheiro forte e fétido no ambiente, que denuncia a insalubridade. Além disso, foram identificadas infiltrações severas no CRPP I e danos na estrutura das celas destinadas para o banho dos detentos no CRPP III que, segundo a Diretoria da Casa, foram causados por uma rebelião ocorrida em 2007.
Para a magistrada, “o que não se pode é esperar que haja higiene em locais em que a água é racionada por dias consecutivos, os materiais de limpeza minimamente necessários não seja fornecido com regularidade, em que não sejam disponibilizados lixeiros e/ou sacos de lixo para o acondicionamento dos dejetos, especialmente as quentinhas em que são fornecidos os alimentos. A gestão da custódia também passa por esses aspectos primários da vida civilizada. Para tanto, a própria a Lei n. 7.210/94 autoriza que presos sejam designados para serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal (art. 33, par. único, LEP). Dada partida na higiene interna, a infestação de insetos e ratazanas, cuja presença nesses ambientes foi constatada pessoalmente por esta magistrada por ocasião da inspeção in loco, poderia ser melhor controlada e, aí sim, passarão a ser eficazes os serviços de desratização e controle de pragas contratados pela Susipe”, afirma a sentença.