Reconheçamos – nós, jornalistas.
Admitamos – nós, que exercemos o jornalismo.
Estamos perdendo a guerra para a mentira, não é?
É longo – daí o Espaço Aberto reproduzir aqui apenas uma parte e oferecer o link
para quem quiser continuar.
E o blog apela: continuem.
Porque o artigo é perfeito.
A jornalista Maria
Carolina Santos conseguiu demonstrar, até mesmo cronologicamente, que
essa onda bolsonarista não é apenas o resultado – fortuito e fugaz – de um
conservadorismo emergente.
Não.
Ela, a onda bolsonarista, conseguiu adequar e
adequar-se a uma forma de comunicação – direta, objetiva, imagética, sem verbos, nem vírgulas, nem substantivos, nem
adjetivos. Mas uma forma de comunicação muito eficaz para atingir propósitos
definidos. E uma linguagem que leva, digamos assim, ao ponto G dos objetivos de
quem a utiliza pensando que não perderá nunca, jamais, em tempo algum, a
inocência (hehe).
Enquanto isso, o jornalismo começou a criar
barreiras.
E deu no que deu.
Ou melhor: deu no que está dando.
Leiam abaixo.
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Bolsonaro vai ganhar. Não há tempo suficiente.
E
a culpa é (também) do jornalismo.
Nos últimos quinze, vinte anos o mundo mudou tão rápido que fomos engolidos. Em
um momento, alguns de nós comemoramos ter acesso aos melhores jornais do mundo:
The New York Times, The Washington Post, The Guardian, El País. Estavam todos
ali, a um clique: a mesmíssima distância que estavam outros tradicionais como A
Folha de São Paulo, o Estadão, O Globo. A gente podia ler tudo.
De graça. Na internet.
Mas éramos tão poucos, e tão privilegiados, por ali.
O acesso foi
aumentando e as barreiras cresceram. Surgiram os
paywalls, assim mesmo, sem tradução. Você queria ler A Folha de São Paulo,
clicava no link e dava com a porta na cara. Você ia ler o Times e levava
uma sobrada. Você não tinha mais direito de entrar ali. Não
de graça. Não sem preencher um formulário. Você desistia.
Aí você acabava entrando no Globo.com, a home page mais lida do Brasil. Mas,
ali, em meio àquelas tediosas chamadas noticiosas, tinha todo o apelo do Ego.
Você ia lá, sabia da vida de todo mundo. Passava o olho pelas manchetes. Um ou
outro jornal local ainda era aberto e lido: mas as matérias dos sites eram tão
curtinhas, feitas ali no calor do momento, sem muito contexto. Se eram
atualizadas depois, você já nem lia. Já sabia o que precisava, né.
E assim foi por anos. Saiu a homepage. Veio o Facebook.
Logo, logo,
os editores perceberam: é muita coisa pra se competir.
Tem o post da vizinha, da mãe, tem os gatinhos, os cachorros. O jornalismo se
tornou um outdoor. E, para deixar a grama mais verde, se ia ao limite da verdade
- por vezes, além. Sensacionalismo, que chamam, né?
Aí surgiu o clickbait. Tinha lá aquela chamada vistosa. Você clicava. Ia
para o texto…e, bem, não era bem isso.
Mas olha só: o clickbait revelava o que você queria saber. Seus interesses, seus gostos. Isso
era útil para alguém.
Milhares de sites começaram a surgir só com clickbait. Mas a verdade - mesmo a
super elástica - não é tão atraente assim. Há dias e semanas em que não
há nada muito apelativo. Em que não há uma foto com ilusão
de ótica de um vestido, nem um famoso fotografado traindo a namorada.
Se a
realidade não atrai, inventamos ou resgatamos algo.
“Jibóia come criança- aviso: foto chocante!”. Você resiste? Basta dois
parágrafos com 4 linhas cada, uma foto de 1998 manipulada em três minutos de
Photoshop. No tempo real do Analytics, 800 pessoas online. Os anúncios se
desdobram na tela. Um ou outro clica. Essa matéria rendeu!
Os clickbaits passaram a ficar mais violentos: jibóia que come
criancinhas parece algo fora da realidade. Mulheres assassinadas. Foto de 2000,
textinho de 2015. Bota no ar: “Mulher marca encontro pelo Tinder e acaba
degolada”. Aqui, tem mais sentimento: medo, raiva, pena. “Também, quem manda ir
pra essas coisas…”. Ódio. Bingo.
Houve um tempo em que os dois existiram e disputaram espaços no Facebook,
numa briga acirrada, que aproximavam os dois. De um lado, veículos
tradicionais, com posts cada vez mais sensacionalistas, cada vez mais
desenhados para despertar ódio, raiva e, vez ou outra, “fofura”. Do outro,
veículos bissextos, feitos para ganhar cliques e anúncios do GoogleAds, sem se
importar com os fatos.
A
diferença é que quando você clicava no post do jornalzão, você era barrado.
No do outro, que você nunca tinha nem visto, você entrava. Aos poucos, você
deixou de ir no jornalzão: só lia a chamada e deixava seu comentário furioso. O
que você lia mesmo, quando lia, era naquele site duvidoso.
Enquanto
estávamos distraídos entre o sensacionalismo e as fake news no Facebook, algo
acontecia longe dos olhos públicos. O WhatsApp ganhava corpo.
Para
as empresas de mídia, o WhatsApp sempre se apresentou como uma esfinge.
Um potencial enorme, 120 milhões de usuários, mas como usá-lo pra notícias? Ter
redatores dedicados a textos curtíssimos? Enviar o link? Na grande maioria dos
veículos, era só um número para enviar alertas e sugestões de pautas. Nunca foi
visto como um Facebook.
Os grupos cabiam 200 e poucas pessoas. E, também, como faturar? Quando
nos perguntávamos para onde o público do Facebook estava indo -
principalmente depois daquela grande mudança de algoritmo - não passava pela
cabeça o WhatsApp. É snapchat. É instagram. É stories.
A gente achava que o WhatsApp era só pra comunicação entre pessoas que se
conhecem. Que ninguém dava importância praquelas correntes.
Ignorávamos os “Bom dia!” e fazíamos piada de quem ficava morrendo de medo do
aplicativo ser bloqueado. Devíamos ter prestado mais atenção quando víamos que
as matérias mais lidas eram justamente as que falavam sobre aqueles bloqueios -
Na Folha de São Paulo, uma dessas matérias rendeu 42 milhões de visualizações
Deixado de lado pelo jornalismo, o WhatsApp foi construindo sua própria
linguagem.
Não foi um estilo que surgiu do nada. Foi com os melhores exemplos das fake
news construídas lá atrás no Facebook. Emoção pura, em estado bruto. Sem
delongas, sem espaço para mais de uma interpretação. É isso e pronto, nada
mais. Não há meias palavras, não há “suspeito de assassinato”. É
assassino.
“Alerta geral! Se alguém te parar nos estacionamentos abaixo (liste todos os
supermercados conhecidos) oferecendo perfume e papel para cheirar. (em negrito)
não cheire.
É um novo golpe ou nova forma de roubar.
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