Vejam só como a vida imita a arte - às vezes literalmente, outras vezes quase.
Este caso do ex-monitor Antônio Bosco de Assis,
preso desde 8 de maio, acusado de tocar nas partes íntimas de três crianças que estudam na escola onde ele trabalhava, em Barueri, na Grande São Paulo, fez o poster lembrar-se de um filme excelente a que assistiu no ano passado, em São Paulo mesmo, e que infelizmente não foi exibido em Belém. Mas o DVD está disponível em qualquer locadora. Se você na viu, veja logo, porque é indispensável, sobretudo para nós, jornalistas, que sempre estamos com nossas sentenças prontas para proferi-las em qualquer situação que se apresente.
Trata-se do filme
"A Caça" (veja o
trailer acima) do diretor Thomas Vinterberg, que antes já se notabilizara mundialmente com o aclamado
Festa de Família.
A trama gira em torno da pequena Klara (Annika Wedderkopp), uma criança - doce, angelical, terna e encantadora como quase todas as crianças -, que acusa Lucas (Mads Mikkelsen, em magistral interpretação), seu professor, de lhe mostrar as partes íntimas.
Com apenas cinco anos de idade, ela foi movida pelo velho, insuperável e atemporal sentimento da vingança, reagindo a uma paixão não correspondida pelo professor.
A escola e a comunidade onde funcionava, uma pequena cidade do interior da Dinamarca, passam a ver no professor, adorado por todas as outras crianças e por seus pais, o monstro que precisa ser segregado, senão excluído do meio social, antes mesmo que venha a se apurar a sua culpabilidade - ou não.
O espectador sabe conclusivamente, já na metade do filme, até que ponto as fantasias da garota se cruzam com intenção, digamos assim,
adulta de enredar o professor num crime. Da mesma forma, o espectador dispõe de todos os elementos concretos para fazer um juízo sobre se o acusado tem ou não alguma responsabilidade no crime de que é acusado.
Mas o que prende a atenção é perceber como se constroem e destroem as relações, os conceitos e preconceitos em decorrência de formulações psicológicas consistentes na aparência, mas no fundo enganosas, por isso perigosíssimas.
Essa, pois, é a ficção.
E a realidade?
Laudos periciais realizados há sete meses e somente na semana passada juntados ao processo judicial afirmam que não há nenhum elemento que comprove a ocorrência de abuso sexual nas três crianças que, segundo a polícia, foram molestadas por um ex-monitor de escola.
Os exames foram feitos em 1º de maio, cerca de dez dias após o suposto crime, e concluídos naquele mês. Também foi anexado ao processo o laudo do exame feito pelo Instituto de Criminalística no computador apreendido na casa de Antônio. Os peritos não encontraram nenhum material referente a pedofilia.
Os laudos do IML só foram anexados ao processo na última terça (18), data em que uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou que Antônio estava preso com base apenas nos relatos das crianças.
Na tarde desta segunda-feira (24), um grupo de 15 pais de alunos fez um ato em defesa de Antônio em frente ao colégio. Levantaram cartazes e faixas que diziam: "Façam justiça com imparcialidade" e "Cadê as filmagens?" – em referência à ausência das imagens das câmeras da escola na investigação.
O caso tem alcançado enorme repercussão sobretudo depois da reportagem - ponderada, informativa e, mais do que isso,
formativa - que o
"Fantástico" do último domingo exibiu.
A sentença, prevista para a semana passada, terá de esperar até que as partes se manifestem sobre os laudos.
Caberá à Justiça separar a ficção da realidade.