sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Uma mulher foi barbarizada. Mas é alvo de deboches porque apoia Bolsonaro.


Neste Brasil de intolerâncias e selvagerias, o crime não é bem um crime.
Tudo vai depender do viés ideológico da conduta – seja do autor, seja da vítima.
A futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, contou publicamente que foi abusada sexualmente por dois pastores quando era criança. Por causa disso, pensou em se matar. Só não o fez porque, disse, subiu numa goiabeira no quintal da casa dela, viu a imagem de Jesus e desistiu.
Pronto.
A partir daí, a ministra não ficou conhecida porque foi vítima de um crime – odioso, horroroso, nojento, hediondo, selvagem, tenebroso.
A ministra ficou conhecida porque, conforme seu relato, subiu numa goiabeira, viu a imagem de Jesus e desistiu de tirar a própria vida. E era uma criança, não esqueçam, pensando em atentar contra a própria vida.
Metade do País, que não votou em Bolsonaro, esqueceu a parte odiosa, horrorosa, nojenta, hedionda, selvagem e tenebrosa da história da ministra – a parte em que ela narra as agressões sexuais que sofreu – e passou a ridicularizar e debochar da outra parte, relativa a suas crenças e convicções religiosas.
E o mais espantoso: entre os que se divertem com o relato de um crime hediondo cometido contra uma mulher, grande parte é formada por quem?
Por mulheres, ora.
Homens e mulheres que se divertem com o drama que envileceu, aviltou e barbarizou uma mulher estariam, provavelmente, com suas indignações (que seriam justas, diga-se) à flor da pele se a envilecida, aviltada, agredida e barbarizada fosse uma mulher antibolsonarista.
Façamos justiça a umas poucas vozes, entre elas a da ex-deputada Manuela D’Ávila, vice de Fernando Haddad nas últimas eleições presidenciais, que se solidarizou publicamente com a futura ministra.
No segmento dos que não apoiaram e nem acolhem as ideias e os preconceitos cultivados por Bolsonaro e seus exércitos, Manuela é uma das exceções que confirmam a regra atual de que, neste Brasil de intolerâncias e selvagerias, o crime não é bem um crime.
Tudo vai depender do viés ideológico da conduta – seja do autor, seja da vítima.
É ou não é?
Meu Deus!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Não. Se o Supremo ainda for o Supremo, a decisão de Marco Aurélio não tem que ser cumprida.


Juristas - uns três ou quatro que o Espaço Aberto ouviu - ainda não conseguem atinar, até agora, qual o propósito, o ânimo, a motivação que inspirou o ministro Marco Aurélio Mello a autorizar que todos os condenados em segunda instância que estão presos fossem libertados.
Se eles, os juristas, não conseguem especular o que deu no ministro para assinar decisão tão esdrúxula, imaginem nós.
Mas o certo é o seguinte.
Marco Aurélio é conhecido no Supremo como Voto Vencido.
E ele adora, parece, protagonizar esse papel.
Porque acha que só deve favores e explicações à sua consciência. Ainda que sua consciência lhe dite, tantas vezes, seguir entendimentos, digamos assim, fora do ponto de curva.
Engana-se o ministro.
É bom, sim, que ele subordine seus pronunciamentos judiciais à sua consciência. Mas não pode fazê-lo sem balizamentos constitucionais no mínimo razoáveis, porque a Corte que ele integra, não por acaso, é chamada de Guardiã da Constituição.
E para sê-lo, o Supremo não pode aviltar, não pode envilecer suas próprias decisões.
Curioso é que Marco Aurélio, tão logo expediu a liminar, disse assim: "Se o Supremo ainda for o Supremo, minha decisão tem que ser obedecida".
Hehe.
Se o Supremo ainda for o Supremo, a decisão de Marco Aurélio não tem que ser obedecida.
E por que não tem?
Porque o Supremo já decidiu contrariamente à vontade monocrática de Marco Aurélio. E ele dá demonstrações evidentes de que, desta vez, não se conforma em ser o Voto Vencido, já que se enfileirou entre os que são contrários à prisão após o trânsito julgado em segunda instância.
Mas convém que o ministro siga o entendimento da Corte até que, na apreciação de uma nova ação, possa novamente firmar seu entendimento sobre essa questão.
Se o Supremo, em abril do próximo ano, voltar atrás e decidir que ninguém poderá ser preso após o trânsito em julgado em segunda instância, rendamo-nos todos a essa decisão, independentemente do seu mérito. Mas, por enquanto, não.
Por enquanto, se o Supremo ainda for o Supremo, a decisão de Marco Aurélio não tem que ser obedecida.
Simples assim.

A voz, a serenidade, a lucidez, o jornalista: Joseval Peixoto


Acabo de ouvir o Jornal da Manhã, da Jovem Pan, como fazemos eu e trocentos milhões que jamais se desgrudam do rádio.
Porque ainda há, acreditem, trocentos milhões que, como eu, têm no rádio uma referência imorredoura.
Ouvindo o Jornal da Manhã, comovi-me com as homenagens de despedidas para Joseval Peixoto.
Aos 80 anos de vida, e cerca de 60 no rádio, ele se aposentou da emissora.
Há muitos anos - antes, apenas quando estava em São Paulo, e depois, quando chegou a internet, também fora de São Paulo -, ouço o Jornal da Manhã com a avidez dos que gostam de boa informação.
Há muitos anos, a vinhetinha Vumbora, vumbora, olha a hora soa como um despertador para a boa informação.
Há muitos anos, o Jornal da Manhã associou-se ao nosso imaginário como a hora em que Joseval Peixoto estava ali, compondo a bancada e brindando seus ouvintes com análises e comentários serenos, vocalizados por um voz potente, empostada, agradável, como se fosse a embalagem apropriada para um conteúdo da melhor qualidade.
Joseval foi um mestre do jornalismo no rádio.
E, no meu caso, cativou-me também porque foi narrador esportivo.
Entre outros eventos, narrou o milésimo gol de Pelé, naquele jogo contra o Vasco, numa partida disputada no Maracanã lotado e que acompanhei, num rádio Philco de meu avô Vidal Bemerguy, pela Rádio Globo.
O narrador daquele gol foi Waldir Amaral. Mas depois já escutei umas mil vezes a narração do milésimo gol de Pelé, umas 500 na voz do próprio Waldir e outras 500 na voz de Joseval Peixoto.
É uma pena que não tenhamos mais a presença marcante de Joseval Peixoto no Jornal da Manhã.
Mas é animador sabê-lo lúcido, pleno de vida e uma referência das mais positivas e brilhantes para quem faz jornalismo.
No rádio e fora dele.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Bolsonaro sabe tudo sobre parafusos. O dele e dos outros.


Sobre o presidente eleito, Jair Bolsonaro, diga-se tudo e mais alguma coisa.
Mas não se diga uma: a de que ele não é objetivo e bastante inteligível no que fala.
Parece que todo mundo entende Bolsonaro, né?
Quando ele fala, todo mundo entende.
Até porque o Capitão evita, por exemplo, as longas orações intercaladas, mais afeitas apenas aos grandes oradores.
Mas Bolsonaro é desta era de Zaps, em que as pessoas digitam duas palavras e, mesmo assim, às vezes ninguém entende nada mesmo.
Mas ele, não.
Pois espiem essas notas (na imagem) que estão na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo deste sábado.
Espiem.
E vejam se concordam comigo: em termos de parafusos, Bolsonaro entende tudo.
Entende bem sobre os parafusos dele e dos outros.