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Bolsonaro em seu circo, à entrada do Alvorada: ridículo, grotesco, cômico, ofensivo e repulsivo |
Bolsonaro resolveu levantar a lona de seu circo,
armado há meses num cercadinho à entrada do Palácio da Alvorada.
Na manhã desta quarta-feira (22), ele disse o
seguinte aos jornalistas que lá estavam a postos para ouvir, mais uma vez, a
torrente de ridículos que o presidente expele toda manhã.
Primeiro, não existe nenhuma ação, nenhum
processo da Fenaj contra o presidente. Existe, sim, esse levantamento, que se
respalda em fatos.
Segundo, nós, jornalistas, vivemos de notícias. Sem
elas, não somos nada.
Presume-se, por isso, que um presidente, quando
se dispõe a falar com jornalistas à porta da residência oficial, todos os dias,
de maneira informal, presume-se que ele facilite, até certo ponto, a obtenção
de informações que de outra forma deveriam ser buscadas em segundas, terceiras,
quartas e quintas fontes. Afinal, ele é o presidente da República.
Mas, a rigor, o que temos em cada aparição de
Bolsonaro?
Nada.
Ou melhor, temos tudo, menos notícias.
Em suas performances matinais, Bolsonaro
protagoniza o ridículo, o grotesco, a grosseria, a cavalice, o pernóstico, o
cômico, o repulsivo, o ofensivo. Notícia mesmo que é bom, dificilmente sai
alguma coisa por lá.
Então, coleguinhas nada têm a lamentar dessa,
digamos assim, greve de entrevistas que Bolsonaro se impôs.
Aliás, na edição desta semana, a revista traz um
artigo assinado por Roberto Pompeu de Toledo, sob o título Arena Viciada.
Trata, justamente sobre o circo de Bolsonaro.
A análise é perfeita.
Leiam abaixo.
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Boa resolução de ano-novo, para os jornalistas
de Brasília, seria não mais comparecer às performances matinais do presidente
Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada. Na comédia presidencial então
encenada, a eles é reservado o papel de vilões, duplicados em risíveis patetas,
irrecuperáveis hipócritas e desmoralizados mentirosos. “Você tem uma cara de
homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual”, disse
Bolsonaro, em dezembro, a um repórter que ousara perguntar sobre seu filho
Flávio. Na mesma ocasião, à pergunta “O senhor ainda pretende mudar a embaixada
de Israel?”, saiu-se com: “Você pretende se casar comigo um dia?”. E insistiu:
“Não seja preconceituoso! Você não gosta de loiro de olhos azuis? Isso é
homofobia, vou te processar por homofobia. Não admito homofobia. Você pretende
se casar comigo? Responde!”. O nonsense, uma das variantes da comédia bolsonarista,
apimentava-se da característica (e sintomática) insistência no tema da
homossexualidade.
O
bom jornalismo exige vigilância contínua sobre os poderosos, e a reportagem dos
principais órgãos da imprensa mantém marcação cerrada sobre os movimentos das
autoridades, a começar do presidente da República. Não seria o caso, porém,
quando o jornalista sabe que estará lá para servir de escada aos vitupérios da
autoridade. “Vocês são uma espécie em extinção”, disse Bolsonaro aos
repórteres, em ocasião mais recente. “Cada vez mais gente não confia em vocês.
Acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama.” A pergunta
que provocou tamanha explosão foi: “Qual reforma virá primeiro, a tributária ou
a administrativa?”. Os fãs do presidente, cuja presença na ocasião é
imprescindível, ululam de satisfação. Entre risotas de escárnio, ouve-se uma
voz feminina: “Eles não sabem nem fazer perguntas”.
A encenação sustenta-se em três pés: Bolsonaro,
os jornalistas e os fãs. Um que falte, e desabará. A repórter Marcela Mattos
explicou, em texto no site de VEJA, como funciona o ritual. A hora é alguma
coisa entre 7 e 8h30, quando Bolsonaro deixa o Alvorada rumo ao Palácio do
Planalto. Primeiro os auxiliares checam se há gente aglomerada junto ao portão.
Se há, um carro dirige-se ao local, levando seguranças que, com cavaletes,
montam um cercadinho e passam a selecionar as pessoas dignas de ali ingressar. É
evidente que será barrado um ou outro que apareça com camiseta de protesto.
Bem-vindas são as roupas verde-amarelas e as que ostentam slogans
bolsonaristas: “Meu partido é o Brasil”, “Brasil acima de tudo, Deus acima de
todos”. Bolsas e mochilas passam pela esteira de raio X do palácio.
Os fãs podem ser turistas em visita à capital ou
gente de Brasília mesmo, alguns com currículos a entregar ou pedidos a fazer.
Tudo pronto, com os fãs dispostos no cercadinho e os jornalistas, na
expectativa do inevitável padecimento, um pouco mais distantes, chega o carro
do presidente. Os fãs se exaltam, gritam “mito”. Ele desce do carro e, como no
circo, quando a plateia já se abanca na fila do gargarejo, o palhaço
protagonista já ocupa o centro do picadeiro e o palhaço coadjuvante, ou escada,
se posiciona a alguns metros de distância, começa a função.
Bolsonaro opera em ambiente físico e psicológico
protegido. Seguranças ocupam posições ao seu lado e atrás, enquanto o amparo
emocional fica por conta dos fãs, com seus coros de aprovação entusiástica ou, quando
necessário, de intimidação dos jornalistas. Vez ou outra de tais embates sai
uma notícia relevante. Num deles Bolsonaro anunciou que Joaquim Levy estava “de
cabeça a prêmio”, precipitando a saída do então presidente do BNDES. Em outro,
quando um fã afirmou estar disposto a entrar no PSL, desaconselhou-o: “Esquece
o PSL, o Bivar está queimado pra caramba” — e desencadeou a crise que implodiu
o partido pelo qual se elegera.
O
código de conduta profissional do jornalista reza que não se pode perder as oportunidades
de notícia. Essa é a regra. As manhãs do Alvorada deveriam, porém, ser
consideradas uma exceção; se não é naquele ambiente, em algum outro a mesma
notícia haverá de se produzir. Imagine-se que a imprensa desista de comparecer.
Será como tirar um doce da boca do presidente. Reduzir-se aos fãs, seus gritos
de “mito” e seus pedidos de selfies, será condenar-se ao tédio e à perda de
tempo. Não compensa o trabalho de mobilizar os seguranças e montar o
cercadinho. Para o país, o benefício será o abandono de uma arena de encontros
viciados, em que o esclarecimento, objetivo das entrevistas coletivas, perde
para a empulhação e a bazófia.