O Instituto João Goulart entregou nesta segunda-feira (18/3) à CNV (Comissão Nacional da Verdade) um pedido formal para que o órgão atue nas investigações sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente, em 6 de dezembro de 1976. O diretor do instituto, João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, acredita que ele pode ter sido vítima de um programa de “assassinatos seletivos” com participação do governo dos Estados Unidos.
João Vicente também encaminhou à CNV documento “sobre as idas e vindas da investigação que corre desde 2007”, com alguns momentos em que “o Ministério Público pareceu até surdo”. A desconfiança que paira até hoje, passados mais de 36 anos, é que Jango tenha sido vítima de envenenamento, como parte da Operação Condor, de auxílio entre ditaduras sul-americanas.
Por isso, seus familiares defendem que seja realizada uma autópsia, o que não foi permitido na ocasião da morte de João Goulart, que estava exilado na Argentina. As autoridades brasileiras dificultaram a vinda do corpo para o Brasil e fizeram com que o enterro fosse realizado às pressas em São Borja, terra natal de Jango – e também do ex-presidente Getúlio Vargas, seu padrinho político. “Conseguimos tirar o inquérito do túmulo do descaso”, disse João Vicente, durante audiência pública realizada em Porto Alegre. “Não sabemos se a tecnologia hoje pode detectar o envenenamento. Essa perícia não é o único meio de esclarecer a verdade.”
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) lembrou que, conforme determinado pelas autoridades, o carro com o corpo de Jango deveria entrar rapidamente em São Borja para ser enterrado. “O carro veio a toda, mas o centro de São Borja estava lotado. As portas da igreja se abriram e ela estava completamente lotada”, relata. Assim, mesmo com a pressão contrária do governo, houve uma manifestação em homenagem a Jango, deposto em 1964 e no exílio desde então. “No dia seguinte (ao do enterro), começou o rumor em torno de como havia sido essa morte. Eles não concordaram (com a perícia). Quase 50 anos depois, é difícil ter uma conclusão, mas o mínimo a ser feito é a autópsia.”
A procuradora Suzete Bragagnolo, do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, diz que as provas são muito difíceis de se produzir, “mas estamos atrás de documentos sigilosos que possam existir sobre esse assunto”.
Jango tinha problemas de saúde e já havia passado por um cateterismo, após um infarto. Chegou a fazer dieta, mas não largou os cigarros. Tomava remédios diariamente. Mas depoimentos do ex-agente uruguaio Mário Neira Barreiro fez surgir desconfianças de que o ex-presidente possa ter morrido em consequência de veneno posto em seus medicamentos. Barreiro declarou que vigiava João Goulart desde 1973. Não há dúvida de que o ex-presidente era vigiado pelas autoridades. Na audiência pública, João Vicente citou, inclusive, a existência no arquivo do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) de fotos da comemoração do aniversário de Jango em 1975.
Para João Vicente, o ex-presidente começou a morrer em 1964, derrubado pelos "vendilhões que se acomodaram com os grandes empresários e com a tropa norte-americana que estava pronta para dividir o país em dois". Segundo ele, 172 parlamentares foram financiados pelo Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) "para legitimar o golpe que estava ocorrendo". "Violaram a soberania em nome de Deus, da pátria e da família."
O filho de Jango disse que hoje existe "farta documentação" comprovando o objetivo de realizar o desmonte da ordem jurídica brasileira. "O fato é que (o caso) Jango precisa ser esclarecido. É necessário que a Comissão da Verdade, que o Ministério Público, que a nossa Secretaria de Direitos Humanos façam esse esforço, que vai resgatar a história deste país."
No requerimento, o Instituto João Goulart pede que seja feita coleta de testemunhos e documentos, além de consultas oficiais a autoridades de Estados Unidos, Paraguai, Chile, Uruguai e Argentina. "São subsídios (existentes nas investigações feitas até agora) que precisam de vontade política", afirmou João Vicente. "É preciso ouvir os agente ainda vivos", acrescentou, citando o nome do ex-agente da CIA (agência de inteligência norte-americana) Michael Townley, apontado como participante da operação que culminou no assassinato do diplomata chileno Orlando Letelier, também em 1976, nos Estados Unidos. Também são citadas viagens do ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury ao Uruguai e sua "ligação com a cúpula da ditadura".
Integrante da Comissão da Verdade, Rosa Cardoso disse que o documento será estudado "com muita responsabilidade". "Tudo que pudermos, vamos encaminhar. Acho que temos um conjunto de indícios muito concludente", comentou. Para ela, Jango pode ter sido vítima "da operação repressiva, dessa repressão terrível que se impôs aos exilados".
Para ela, há casos decididos até com menos indícios. "Temos a confissão de um cúmplice do assassinato. A confissão dos criminosos também vale", observou. "Os familiares e o país têm o direito de esclarecer até as últimas consequências. Vamos dar uma resposta escrita e encaminhar tudo o que pudermos, no prazo do nosso mandato (que vai até até maio do ano que vem)."
A audiência pública da CNV colheu depoimentos de 13 ex-presos políticos. A última parte da sessão é destinada a analisar a Operação Condor.
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