Por Dirceu Martins Pio, do Observatório da Imprensa
Clay Shirky, analista americano de novas mídias, define como “revolução” a crise que se abate sobre o jornalismo mundial e, assim, conclui: “Nas verdadeiras revoluções, as coisas pioram para depois melhorar; do contrário não é uma revolução, mas sim, um mero aperfeiçoamento do que já existe.” Sua teoria tem sido corroborada por especialistas de outras instituições, inclusive por um grupo de professores da Universidade de Columbia (EUA) que divulgou, recentemente, alentado estudo sobre as transformações observadas nas mídias americanas.
O que é dramático para os jornalistas da minha geração (dei início à carreira de jornalista como repórter do Diário do Grande ABC, em 1968) é que não teremos a oportunidade de presenciar e sentir ou usufruir, como cidadãos, da melhora. A menos que tenhamos a longevidade de um Oscar Niemeyer, teremos de nos contentar com a condição de espectadores aflitos – e muitas vezes vítimas, como cidadãos – desse longo e tenebroso processo de piora. No Brasil, a degradação está em marcha há algum tempo e é, digamos assim, assustadora.
No mundo inteiro, a piora tem uma única explicação: a perda gradativa de receitas de publicidade pela mídia tradicional – jornais, revistas –, o que a tem forçado a captar os mesmos volumes de informações de antigamente com menos recursos. Pode-se dizer que no Brasil as empresas tradicionais ainda não aprenderam a fazer isso de modo a comprometer o menos possível a qualidade do jornalismo. A evasão de inteligência nos processos de escolha dos assuntos, captação das informações e edição já é notória. O noticiário que inunda páginas do papel e das mídias eletrônicas perdeu diversidade, abrangência, foco e profundidade. Há o enfraquecimento do jornalismo das mídias convencionais num momento em que seria vital que ele se fortalecesse para tornar-se mais competitivo no comércio de informações em expansão nos meios digitais.
Inteligência abandona a produção
Há, visivelmente, um clima de desorientação – talvez também de perplexidade – nas redações. Agora mesmo, em arguto artigo neste Observatório de Imprensa, a professora Sylvia Debossan Moretzsohn fala de seu espanto ao tropeçar em material publicado pela edição do domingo (24/02) do jornal Estado de S.Paulo, que aproveita a passagem de um mês da tragédia de Santa Maria para assinalar que a morte de 239 pessoas no incêndio representa uma perda total de 12. 412 anos de um futuro projetado e abruptamente interrompido. “O jornal investiu nessa notável reportagem domingueira o tempo e o trabalho de pelo menos seis profissionais – como consta nos créditos –, um deles um conhecido especialista em RAC, reportagem com auxílio de computador”, escreveu a professora em seu artigo publicado sob o sugestivo título de “O disparate sobre os mortos de Santa Maria”.
A falta de uma estratégia para sobreviver à turbulência e evitar o desperdício num período em que todos são e serão obrigados a trabalhar com menos recursos torna tudo mais dramático no Brasil. Como entender, por exemplo, neste mesmo Estadão, que uma coluna de atualidade, produzida por quatro ou cinco pessoas, nos mande numa de suas edições uma entrevista de página inteira com o padre Marcelo Rossi?
A maioria das pautas de grande interesse público sugeridas pelos episódios de Santa Maria – o comércio de fogos de artifício, a implantação de material combustível para abafar o som no teto das boates, a segurança das casas noturnas etc. – não foi perseguida pela mídia num sintoma bastante claro de que a inteligência abandona os processos de produção da notícia e da reportagem.
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