segunda-feira, 31 de março de 2014

A implosão da Carta Magna


Hoje, faz 50 anos que o Brasil foi tomado pela obscuridade. É pena que ainda temos poucos brasileiros que perceberam aquela real situação. À época, uma grande maioria estava embevecida com as ilusões, mentiras e fetiches do golpe de 1964, vomitados pela mídia do atraso, com boa aparência, mas com zero de conteúdo. Esses golpistas que tomaram o poder dos civis extirparam qualquer prática salutar da vida das pessoas, mapeando área diversa do terreno conquistado e dominado. Em tal moldura, o direito de ir e vir e a liberdade de expressão foram confiscados, surgindo de vetustas trevas os chamados anos de chumbo.
Com a deposição do presidente João Goulart, que continua a ser um tema decisivo na política brasileira. Goulart, durante o tempo em que viveu, conseguiu fazer seu espectro pairar à frente dos ditadores fardados. Era causa enigmática. Ficavam apavorados a qualquer notícia de que Goulart tentaria voltar ao Brasil sem autorização do regime. Já havia até protocolo para ser executado caso resolvesse regressar ao país. Deveria ser imediatamente preso e conduzido a quartel da PM, onde o rigor dos coturnos o colocaria em rigorosa incomunicabilidade, à disposição da Polícia Federal. Em regime ditatorial, de força, não existe juiz indulgente e sim a inescrutável palavra de ordem do ditador de plantão. O golpismo de 1964 implodiu nossa Carta Magna.
Meio século é tempo suficiente para grandes mudanças históricas, avanços tecnológicos, inícios e fins de guerras, ascensões e quedas de líderes políticos e religiosos. O golpe de 64, no Brasil, segundo o regime de exceção, tinha como objetivo comum combater os comunistas, e outro detalhe se mostrou peculiar: os regimes militares na América do Sul foram extremamente autoritários e violentos, revelando um modus operandi similar ao dos nazistas. Em nosso País, por exemplo, ao longo dos anos, a ditadura foi endurecendo o governo e legalizou práticas de censura e tortura com os Atos Institucionais. Qualquer ameaça comunista ou manifestação contra a instituição era combatida sem piedade, com atos extremados e justificados.
Mas esse tempo não foi o bastante para trazer à tona a verdade em torno de mais de 350 pessoas que desapareceram entre 1964 e 1985; destas, 147 carregam uma história parcialmente reveladas ou totalmente ocultas: todas de desaparecidos políticos. Muitos desses casos diretamente relacionados à repressão foram registrados como choques entre grileiros, resistência à desocupação de áreas, etc. Não eram necessários grandes esforços para se tornar um perseguido pela repressão. A franca oposição ao governo militar transformava um cidadão comum em inimigo declarado do governo. Em sua maioria, eram artistas, líderes sindicalistas, militares descontentes com o regime, intelectuais nacionalistas ou socialistas, mas todos ávidos por uma revolução que devolvesse ao Brasil o direito à democracia.
Surgiram, então, grupos de resistência ao regime de exceção. Entre os principais estão Aliança Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VPR/VAR-Palmares), grupo em que Dilma Rousseff atuou contra a ditadura, Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Movimento de Libertação Popular (Molipo), Comandos de Libertação Popular (Colina) e Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Esses grupos de resistência já despontavam antes do regime militar se instalar e, por esse motivo, os primeiros desaparecidos políticos surgiram logo no despertar da ditadura.
Muitos casos de extermínio foram cruéis, da mais completa barbárie, como foi o de Stuart Angel, amarrado a um jipe, já com o corpo esfolado, com a boca no cano de descarga do veículo e arrastá-lo, morrendo por envenenamento por gás carbônico e asfixia, na Base Aérea do Galeão. O golpe de 64 impediu, com sucesso, as tentativas de implantação de uma política comunista no país, mas deixou feridas abertas que, ainda hoje, persistem em sangrar.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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