Acredito que grande parte da população brasileira não saiba que o transporte urbano é um serviço público. E, por essa falta de consciência, muita gente sofre calada os piores tipos de abuso no interior dos ônibus que rodam nas cidades. Gostaria, hoje, de conversar com você sobre esse importante serviço e sobre o quanto ele se tornou um meio constrangedor, para não dizer perigoso. Gostaria que empresários, profissionais da área, parlamentares e gestores públicos lessem este artigo e fizessem alguma coisa para restaurar o direito da população.
Andar de ônibus no Brasil é uma das piores aventuras. Durante todo o trajeto, inúmeras pessoas não passageiras são admitidas para vender um variado mundo de coisas. Outras simplesmente pedem algum tipo de ajuda material. Nada contra o estado de penúria do nosso semelhante. Nada contra ajudar quem precisa, porém, é preciso dar ao passageiro o direito de ir e vir sem ser molestado.
Quando entramos numa condução urbana, acabamos de realizar um negócio jurídico municipal. Celebramos um contrato que nos garante um transporte seguro até o nosso destino. Esse contrato é firmado através da tarifa que pagamos. Veja que as empresas de ônibus não podem reajustar o preço das passagens. Podem sugerir. Não podem reajustar porque somente o prefeito da cidade tem autoridade para realizar esse ato. Então, cada passageiro é um usuário desse serviço público. As empresas exploram os itinerários criados pelo Estado. Não podem criar novas linhas. Não podem suprimi-las. Cabe ao governo abrir licitações sob a modalidade de concessão. O transporte urbano é um serviço público.
Agora, veja a qualidade do serviço que a nossa população está recebendo. Você entra num ônibus neste Brasil, e não tem mais sossego, principalmente em algumas linhas. Até supostos ex-presidiários aparecem para constranger o passageiro. Depois de contar toda uma história, o sujeito pode sair-se com esta pérola: “Olha, gente, eu sei roubar, mas preferi entrar aqui para pedir...”. Valha-me, Deus, isso é um absurdo, algo intolerável.
É impressionante que algumas cidades tenham tirado os fumadores de cigarro dos ônibus mas permitido que a população vivesse hoje uma situação tão constrangedora com vendedores e pedintes. É preciso fazer alguma coisa para que as pessoas tenham paz no interior dos coletivos. A realidade do mercado informal existe. A mazela social campeia. Mas, vamos dar ao passageiro o direito de ir e vir em paz porque ele está pagando por esse serviço público.
O transporte urbano está submetido às regras do direito do consumidor. O Estado é submisso a essa lei toda vez que presta um serviço. O passageiro do transporte urbano também é um consumidor, um consumidor que deve ser respeitado dentro dessa relação concessionário-usuário. Ele paga a tarifa imposta pelo Estado para receber a contraprestação de um serviço digno. Comparando, um exemplo contrário mostraria um consumidor da empresa de energia elétrica pagando direitinho suas contas para no final ter um serviço medíocre. Não. Pagamos água para termos água. Luz, para termos luz. Passagem urbana, para termos um transporte, não uma feira, não um assédio a cada parada, não um constrangimento de ouvir o que não pagamos para ouvir.
Eu quero hoje fazer um apelo aos nossos administradores públicos. Um apelo aos profissionais. Um apelo aos nossos parlamentares: vamos olhar essa situação. É vergonhoso o que acontece no interior do transporte coletivo de algumas cidades brasileiras. Eu sei que algum trabalho deve ter sido feito. Eu imagino que sindicatos de empresas de ônibus devem bater nessa tecla, assim quanto bons profissionais zelam pelo recinto do seu ambiente de trabalho. Mas é forçoso reconhecer que é preciso mais.
O cidadão precisa ser respeitado enquanto passageiro e consumidor. O ônibus não pode ser um espaço de constrangimento. As pessoas têm o direito à paz enquanto se deslocam. Aproveitar esse intervalo para outras finalidades estranhas é tratar os passageiros sem o respeito que merecem.
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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br
Um comentário:
E normalmente, quem anda de ônibus, não tem condições de ajudar. Outra: se abrir a bolsa ou carteira, corre o risco de ser visto por algum assaltante.
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