sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ano da França


Sendo 2009 o Ano da França no Brasil, quando os dois países interagem mais em termos de cultura, ciência e tecnologia, é oportuno refletirmos sobre as duas nações. Não obstante elogiada a iniciativa bilateral, o intercâmbio acaba expondo a abissal diferença entre o país europeu e a nossa querida nação. Para não mexer com alguns aspectos que fariam uma análise injusta do jovem Brasil ante o amadurecido povo francês, vamos conversar sobre consciência de cidadania. E, claro, ao fazer isso, precisamos reconhecer que essa consciência também resulta de um processo histórico.
Comecemos pela violência. O Brasil tem a trágica marca de 50 mil assassinatos por ano, em sua grande maioria vítimas jovens. Aliás, morte violenta é uma das causas da mortalidade de brasileiros nessa faixa etária. Realidade bem diferente na França.
Izael Marinho, um amigo jornalista amapaense que morou alguns anos nas terras de Napoleão, contou-me como era a vida além-mar. Violência física, uma exceção. Durante o tempo que passou por lá, contou nos dedos os casos de lesão corporal ou assassinato. Porém, quando retornou ao Brasil, na primeira semana, as filhas adolescentes de Izael testemunharam um ato brutal desses em Macapá. Sabem o que ele fez? Mudou-se com a família para um interiorzinho. Isso foi um pedido das próprias filhas, que, sendo criadas em terras europeias, ficaram chocadas com a realidade brasileira.
Aqui no Brasil, mata-se por nada. Até pelo ato de buzinar, como aconteceu recentemente no Sul. A consciência de cidadania simplesmente não existe para muitos. Leis arcaicas fazem com que muitos crimes graves ainda hoje sejam afiançáveis. O homem perverso faz o que quer e se livra pelo pagamento de uma taxa ao Estado. Numa contabilidade macabra, esse tipo de governo parece incitar o crime para encher seus cofres.
Como você vê, já estou falando de cidadania estatal. Sim, porque se há alguém que deve ser cobrado nesse aspecto são aqueles que detêm a estrutura do Estado. Mas, o que faz essa figura fictícia, com poder de dirigir a vida das pessoas reais, que trabalham pelo país? Não sei. Para muitos políticos, povo é massa que eles manobram a cada biênio eleitoral. E na França? Bem diferente! Se o governo negar reajuste de salários, o povo vai às ruas e fecha Paris. Gritam. Então cai a máscara do governo. E político entende que é empregado do povo. Pode parecer forte, mas consciência de cidadania gera coisas desse tipo. Tem sido assim na luta por meia-passagem, asfaltamento de ruas e melhoria salarial no Brasil.
O trânsito brasileiro é outro exemplo de má cidadania. O cidadão-estatal não oferece boas rodovias nem fiscalização. Guardas de trânsito, quando encontrados, são também máquinas de engordar o orçamento público. Ontem [quarta-feira], 8 da manhã, havia três carros particulares sobre uma calçada num cruzamento da Pedro Miranda. Ao lado, estava um agente da CTBel. Pensei: vão já ser multados! Porém, logo notei que um dos carros estacionados era do próprio agente de trânsito. Impressionante! Veja o grau de consciência de um fiscal desses.
Em matéria de ecologia, não é diferente. No acordo com o Brasil para construir uma ponte ligando o Amapá a Guiana, a França exigiu que o Brasil trate toda a água da chuva que cai sobre a nova ponte antes de devolvê-la ao rio Oiapoque. Enquanto isso alguns lugarejos do Nordeste aguardam chover para abastecer o pote da cozinha.
Esperamos que esse Ano da França no Brasil contagie os brasileiros, sobretudo aqueles a quem demos emprego nas últimas eleições.

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RUI RAIOL é pastor e escritor
Mais artigos: www.ruiraiol.com.br

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