Por Por Walter de Mattos Junior, no Observatório da Imprensa
Felizmente chegou a hora. São muitos anos, na verdade são décadas de um processo de corrupção no futebol, anos nos quais, principalmente aqui no Brasil, a CBF foi dominada por gente que, além de tudo, nem gostava de futebol e montou um esquema que parece muito com os escândalos do Brasil. Tem um operador do sistema, que era o J. Hawilla. Ele intermediou vários contratos e essa intermediação, no caso da CBF e da Conmebol, sempre tinha padrinhos que precisavam ser presenteados quando ele fazia os acertos. Isso já se sabia, mas não se tinha provas. Felizmente apareceu o Departamento de Justiça americano através do seu braço investigativo, o FBI, que se interessou pelo assunto.
É óbvio que ninguém faz nada desinteressadamente. Os Estados Unidos ficaram muito incomodados, assim como a Inglaterra, com o processo eleitoral que levou à decisão da Copa de 2018 e 2022 para a Rússia e para o Catar, e usaram o que a territorialidade deles dava direito: várias dessas transações corruptoras foram feitas com bancos americanos, nos Estados Unidos, e envolvendo, por exemplo, no caso da Nike, uma empresa americana.
É de muito animar, no caso do Lance!, que há quase 20 anos vem brigando e se opondo a essa quadrilha que tomou conta do futebol brasileiro, que, enfim, a justiça seja feita. Há que se lamentar, como muita gente já se lamentou, que não tenha sido a nossa Polícia Federal, que agora diz que está investigando há muitos anos, [ou] que não tenha sido nosso Judiciário, que teve oportunidades e […] encobriu muitas ações judiciais [contra] Ricardo Teixeira. Aqui, por exemplo, nós tivemos 16 ações judiciais do Teixeira contra nossa empresa ou contra jornalistas [do Lance!], até ações pessoais contra mim. E o Ricardo Teixeira levava desembargadores em viagens, uma total indecência se você pensar na isenção que o Judiciário deve ter. Mas chegou a hora e a gente espera que não pare por aí.
Contrato suspeito
Eu não tenho dúvidas em apontar que, por exemplo, a Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo mais recentemente, o jornal O Globo e este Lance! entre os veículos que mais se opuseram a este estado de coisas e foram os mais críticos. Nós aqui, por exemplo, além das ações judiciais, durante anos fomos prejudicados na cobertura, não sendo chamados para exclusivas pelo assessor de imprensa e comunicação [da CBF] Rodrigo Paiva, que discriminava claramente a mando de seu chefe, a quem ele servia, nas viagens [e nas] coletivas. Fora uma perseguição no site e tudo o que eles faziam contra o Lance!.
Há veículos menores que se aliam, infelizmente, [e] fazem o jogo do poder. As Organizações Globo, no seu braço televisivo, durante muitos anos, na minha avaliação, foram muito condescendentes com o poder da CBF, foram muito flácidos no sentido de não perseguir – com a qualidade que o jornalismo da TV Globo tem – as possibilidades de fazer pautas investigativas e coisas que eles fazem tão bem na política, por exemplo.
Eu vejo, felizmente, de um tempo pra cá, na nova direção de jornalismo da Globo uma mudança de postura, mas durante muitos anos foi um jornalismo muito amigável a esses corruptos do futebol que eles, sem dúvida, sabiam que não estavam fazendo as coisas corretamente. Mas prevaleceu o espírito do espetáculo e o jornalismo investigativo, que eles são tão competentes para fazer quando se trata de outros campos da sociedade, no esporte parece que isso ficou relegado a um segundo plano.
Vou contar um caso que é bem revelador. A CBF fez o que pôde para asfixiar o Lance! com relação aos seus patrocinadores e com relação a outros ambientes do futebol. Quem se aproximava da gente virava automaticamente persona non grata na CBF. Eu me lembro de dois casos que são ilustrativos, e não um só.
O ex-presidente Juvenal Juvêncio uma vez me conta que o Ricardo Teixeira ligou para ele, num sábado de manhã, porque tinha lido uma nota [informando] que Juvêncio tinha se recusado a falar com o Lance! porque estava aborrecido com alguma coisa. E ele ligou para manifestar o seu apoio, dizendo que realmente ele não devia falar com o Lance!. Então, era desse tema mais insignificante, tentando mandar o sinal para os presidentes de clubes, que não deveriam se aproximar da gente, até, por exemplo, a Nike, que durante anos, mais de uma década, ficou proibida de ter qualquer relacionamento comercial com o Lance!. Felizmente, de dois anos para cá isso foi relaxado, desde que o Ricardo saiu, mas teve uma reunião que chegou a ser marcada e um emissário do Ricardo Teixeira, meu conhecido, ligou e falou: “Olha, o Ricardo pode desfazer o veto, basta que vocês se sentem à mesa com ele e com o presidente da Nike”. E eu disse que isso não poderia de modo algum ser vinculado, e continuamos assim. Eu me surpreendi muito que uma empresa do tamanho da Nike, com [esse] poderio, tivesse se curvado – o que mostra como o futebol e a Seleção Brasileira tiveram força.
O Brasil, na realidade, foi o primeiro ativo importante que a Nike conquistou no mundo do futebol. A Adidas já tinha a FIFA e a Nike fez de tudo para entrar na Seleção Brasileira. O que agora parece [estar] comprovado foi que [por intermédio] do J. Hawilla é que se fez um processo com altas comissões para que [a Nike] pegasse esse contrato depois da Copa de 1994.
Agarrado ao poder
Esse caso da retransmissora, das afiliadas que o J. Hawilla tem, acho que virou um grande problema para a Rede Globo resolver – além de tudo, o Ministério das Comunicações. Mas isso acaba de acontecer, e eu não imagino que possa permanecer dessa maneira. Eu imagino que alguma solução terá que ser dada para que essa concessão [troque] de mãos. Imagino que dentro da Globo isso tenha virado um tema prioritário e que eles estejam buscando uma solução o mais rápido possível.
Nós já temos os elementos para que isso se torne intolerável. Segundo o relatório do FBI, você tem dois co-conspiradores, o número 11 e o número 12, e todos os indícios são de que seriam o Ricardo Teixeira e o [Marco Polo] Del Nero. E eu não sei por que, não sou conhecedor dos trâmites, mas não entendo por que o Del Nero não foi detido na Suíça. Suponho que o FBI não tinha ainda reunido o conjunto de provas que julga necessário para fazer uma extradição. O Ricardo Teixeira hoje é um foragido no seu próprio país. Ele voltou rapidamente para o Brasil, porque julga que aqui ele estará mais protegido. A sociedade brasileira tem se mostrado muito benevolente com esse tipo de coisa. Parece que nós vivemos uma época em que se aceita quase tudo na política e o futebol é um reflexo da forma como a nossa sociedade se comporta.
Há uma revolta muito grande, há agora um escancaramento dos fatos. Eu torço [pela] comprovação do envolvimento do Del Nero. Não pode ninguém acreditar no que ele está dizendo, que não sabia de nada, que em 11 anos de futebol nunca viu nada suspeito, nada de errado, que só entrava nas reuniões com o [José Maria] Marin para ser uma testemunha, mas que nunca presenciou nada de errado. Isso tudo não é crível, mas a gente vai precisar que apareça alguma prova, alguma evidência para que ele seja retirado do posto.
Sob o ponto de vista da suspeição, não há dúvida. Ele, se tivesse uma dignidade maior, deveria se afastar do cargo, porque agora a própria presidência dele é uma presidência desmoralizada. Mas essa gente luta até quando pode para se agarrar ao poder. A minha aposta é que a gente vai ter mudanças, mas isso não é uma certeza, é mais uma expectativa do que confiar que essas mudanças vão vir pelo menos na rapidez que a gente quer. Tomara que o Tio Sam acelere as coisas.
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Walter de Mattos Jr é diretor do Grupo Lance!, que edita o diário esportivo Lance!
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