segunda-feira, 22 de julho de 2013

Economia bandida


Na realidade, os grandes traficantes de drogas são calabreses. Eles são os verdadeiros protagonistas, diretores e fiadores internacionais da operação. E o mafioso calabrês, Roberto Pannunzi, conseguiu o que ninguém ainda tinha conquistado: a “globalização oculta” das três máfias italianas. Exatamente isso, a agregação dos cartéis colombianos. Pannunzi chegou ao Brasil de navio há três anos, passou por Peru, Venezuela e Colômbia, onde foi capturado na tarde de sexta-feira, 5, depois de sua última fuga. De personalidade forte, tinha conquistado alto grau de confiabilidade diante dos poderosos chefões e era ele quem abastecia a calabresa `Ndrangheta, a siciliana Cosa Nostra e a Camorra napolitana, que têm muitas ramificações no mundo inteiro.
Os homens da `Ndrangheta dispõem de quantidades infinitas de dinheiro e há anos têm uma vida estável na Colômbia, no Equador, na Bolívia e na Venezuela. Tratam de igual para igualcom os narcotraficantes, ultimamente firmaram estreitas alianças com novos cartéis mexicanos e são os únicos que podem comprar toneladas de drogas apenas “com a palavra”. Palavra “de honra”, obviamente.
Como foi possível que, desde a “Pizza Connection” do início da década de 1980, o cenário internacional da hegemonia mafiosa tenha mudado tanto ao longo de um decênio ou pouco mais? Na realidade, enquanto os sicilianos, ofuscados pela loucura dos corleonenses, desafiavam o Estado, projetavam e realizavam massacres, matavam magistrados, policiais e expoentes políticos, atraindo a atenção do mundo inteiro e forçando as instituições a uma reação repressiva decidida, os calabreses permaneciam submersos, faziam negócios e, como protagonistas, entravam silenciosamente no novo mundo da globalização, aquele do crime com seu aspecto econômico-financeiro.
Pannunzi é calabrês apenas de origem. Nasceu e passou a infância em Roma, mas foi no Canadá que encontrou, de modo indissolúvel, a própria identidade e os vínculos com a própria terra. Ao retornar à Itália, casa-se com Adriana Diano, pertencente a uma das mais importantes e ricas famílias de Siderno, que com Locri forma o principal centro, na costa jônica, da província de Reggio Calabria.
Nos anos 1970, conhece em Toronto, Salvatore Miceli, que também chegara ao Canadá vindo da Sicília. Ambos se frequentam assiduamente, tornam-se amigose depois “compadres”, quando Miceli pede ao amigo calabrês que batize seu primogênito, Mário. Formam um vínculo muito forte e suas vidas estarão destinadas a se cruzarem várias vezes ao longo dos anos. Juntos são presos em 1983, na mesma operação em que Villa San Giovanni havia bloqueado a remessa de 17 quilos de heroína da Sicília para além-mar. E juntos tornam a aparecer na operação “Igres”. Detalhe importante: Só fornecia cargas acima de 3 mil quilos.
No começo dos anos 90, o entendimento com o mafioso ítalo-canadense Alfonso Caruana, a importância no sentido de enviar grandes cargas (toneladas) de drogas do Brasil para a Europa. O motivo da escolha? Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela estavam na mira dos policiais e dos radares da polícia italiana, e o Brasil não. A dupla conseguiu transportar toneladas de cocaína pela floresta amazônica usando contatos que tinham com a criminalidade.
O procurador-adjunto de Reggio Calabria, Nicola Gratteri, estava em busca de Pannunzi faz 14 anos e prestes para pegá-lo, mas ele sempre fugia, graças aos grandes apoios que ele tem nessa parte do mundo. Sua captura foi um golpe terrível para a importação de droga na Europa e Estados Unidos e um instrumento único para entender as dimensões dessa “economia bandida” que intoxica o planeta mais do que se possa imaginar.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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