segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

"Birdman" desnuda as consciências e a verdade. Cruamente.



Sabem de uma coisa?
Birdman, que no início desta madrugada conquistou merecidamente o Oscar de melhor filme, começa parecendo que vai ser uma chatice sem fim.
Mas logo, logo engata. E se revela um filme simplesmente espetacular.
Birdman acaba sendo uma espécie de confessionário, em que se exprimem, nua e cruamente, as consciências e as verdades de gente do mundo encantado - mas nem tanto - do teatro, do cinema e indústria do entretenimento em geral.
Há duas passagens, há dois momentos do filme que são emblemáticos e elucidativos.
Na primeira, Riggar Thomson (Michael Keaton), o ator que vive o ocaso depois de ter estrelado um super-herói bastante popular, chama às falas, cara a cara, frente a frente, lata na lata, olhos nos olhos, uma crítica de cinema.
- Você não arrisca nada, nada, nada. Eu sou uma droga de ator. Esta peça me custou tudo. Vou te dizer uma coisa. Pega essa droga de crítica maldosa, covarde, mal escrita e enfie bem no fundo da droga do seu traseiro enrugado - afirma Thomson.
- Você não é ator. É uma celebridade. Vamos ser claros sobre isso. Eu vou matar a sua peça - rebate a jornalista.
Digam aí vocês, atores. Digam aí vocês, que desenvolvem qualquer atividade humana perscrutada permanentemente pela crítica e pelos críticos que se arrogam a pretensão de desmontar, em quatro ou cinco parágrafos, trabalhos que custaram muito sacrifício.
Pega essa droga de crítica maldosa, covarde, mal escrita e enfie bem no fundo da droga do seu traseiro enrugado.
Digam aí: quem de vocês já não sonhou com a oportunidade de chamar seus críticos às falas e dizer-lhes exatamente isso cara a cara, frente a frente, lata na lata, olhos nos olhos?
Digam aí, espectadores: quando vocês veem certos filmes, certas novelas, certas peças de teatro, vocês, muitas vezes, não ficam meio confusos, meio sem saber se ali estão atores ou se estão celebridades?
Você não é ator. É uma celebridade.
Quem, dentre nós, espectadores, já não teve a tentação de dizer isso, exatamente isso, a um trabalhador da indústria do entretenimento, quando o vemos em performances que condizem muito mais com celebridades do que com atores?
O outro momento magistral do filme se apresenta quando Riggar Thomson tem atrás de si, em carne e osso, a figura do Birdman, que até então só se manifestava em sons.
"Olhe pra esse povo, olhe os olhos. Eles estão todos animados, eles estão todos animados. Eles adoram essa merda. Adoram sangue, adoram ação, não essa merda de falatório deprimente, filosófico. E da próxima vez que você grasnar, vai explodir em milhões de tímpanos, você vai brilhar em milhares de telas em todo mundo", diz a consciência crítica de Riggar Thomson.
"Sabe, eu tenho uma voz que fala comigo às vezes e me diz a verdade. É reconfortante. Meio assustador, mas reconfortante", confessa um pouco depois o próprio Thomson.
Sabem de outra coisa? Birdman deveria pagar também direitos autorais ao programa "A Consciência do Braguinha", aquela famosa, deliciosa atração que a Rádio Marajoara nos proporcionava nos anos 1970 e 1980, bem na hora do almoço, em que o locutor Oséias Silva fazia o personagem de um mentiroso compulsivo, mas sempre acossado pela voz cavernosa da Consciência, interpretada por Astrogildo Corrêa.
Birdman não é um filme para se ver apenas uma vez, mas várias.
Egocentrismo, estrelismo, a busca permanente pela aprovação geral - sem unânime -, as fragilidades na relacionamento pessoal interferindo no desempenho profissional, as frustrações, a mescla entre realidade e arte, entre vida e ficção, a cupidez pelo lucro a qualquer preço, a mesquinharia de quem usa o exercício da crítica para promover acertos de contas pessoais.
Tudo isso é Birdman.
Um grande filme.

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