terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
A flor da Guiné
Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede
Desde o dia em que saiu o resultado do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro que ando matutando sobre a Guiné Equatorial. Que bela flor viu lá o colibri carioca?
Tão bela e tão perfumada que eclipsou qualquer preocupação, todos os desgastes e todas as dificuldades para representar na avenida um país com 400.000 habitantes (dado oficial da Embaixada da Guiné no Brasil, mas há quem diga que são mais, e outros, que são menos), duramente marcado pela colonização, estigmatizado pelas violações constantes de direitos humanos, com 77% da população abaixo da linha da pobreza e descoberto por um navegador português chamado Fernando Pó.
É, Fernando Pó.
Bem, a Petrobrás está lá. Ela adquiriu, em janeiro de 2006, 50% de participação num contrato de partilha de produção de petróleo (bloco L, na bacia do rio Muni) operado pela Chevron, que perfurou dois poços que deram em nada e, no ano seguinte, abandonou o bloco e o país. A Petrobrás continua tentando, talvez acreditando que “é preciso mais que cinco poços secos para condenar uma bacia.” Em 2009 o NY Times dizia que poucos países simbolizam tão bem a corrupção e o nepotismo do óleo como a Guiné Equatorial e que as petroleiras que trabalham ali estavam preocupadas com a imagem do país.
Bingo? Não sei, ouso pensar, mas não ouso opinar sobre isso.
Mas esse contrato que a Petrobrás assinou parece um pouco com a história de Pasadena, não? O ano é o mesmo e a Petrobrás comprou mico nos dois casos: na Guiné, comprou em janeiro uma participação de exploração de um bloco que ia ser perfurado no mesmo ano; no ano seguinte, fica com um poço seco... Toyin Akinosho, analista do Africa Oil+Gas Report, jornal mensal dedicado à indústria do petróleo, comenta que a decisão de ficar, tomada pela Petrobrás, talvez se deva ao fato de que os dirigentes de estatais não têm a mesma responsabilidade que têm os das empresas privadas perante os acionistas...
E de repente a Beija Flor repete Fernando Pó e descobre a Guiné Equatorial. E ganha o campeonato. E com certeza será convidada a se apresentar lá: bateria, mulatas, dirigentes da escola e da Liga das Escolas de Samba. E voltará dizendo que o povo da Guiné se entusiasmou tanto que todos pensam numa continuação por lá.
E Neguinho da Beija Flor dá entrevista dizendo que é a contravenção que financia o carnaval carioca.
E o governo da Guiné diz que foram as empresas, no papel de animadores culturais, que financiaram a escola. Empresas ansiosas para melhorar a imagem do país. Mas empresas que podem reunir alguns milhões de reais numa vaquinha assim, informal, para financiar uma agremiação cultural cuja importância se restringe ao Brasil, e uma vez por ano? E a responsabilidade com os acionistas? Bem, se o acionista principal for uma viúva rica, é só seduzir a viúva, não?
Ainda tentando descobrir a flor que encantou o colibri carioca, leio, por meio do Trip Advisor, relato de viagens feitas a esse país. Num deles, o viajante escreve: “Museus? Bem, a Air France tem voos diários” para acrescentar que só a natureza, que ele qualifica de magnífica, é que oferece o que ver.
Eu imagino o Pó navegando para descobrir a ilha de Bioko. Visualizando alegorias e fantasias, com árvores de renda franzida e mulheres seminuas. Fissurado depois da longa viagem por novos cheiros, que o façam esquecer o que vem do interior das caravelas. Atraído pelo brilho da riqueza negra.
O que o Brasil está fazendo com os africanos? Meu Deus!
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