Por ISMAEL MORAES, no jornal O Impacto
“Falar mal dos outros pela frente demonstra falta de educação; constrange quem ouve e quem fala”, dizia Ariano Suassuna (1927-2014). Poderia iniciar assim este texto, mas, por meus modos habituais, me é conveniente começar usando de expressão de outro escritor brasileiro, de extração menos especial.
Segundo os cronistas políticos, foi o então presidente José Sarney (1985-1989) quem criou e popularizou a expressão “liturgia do cargo” para destacar que o ocupante de um cargo máximo deveria cumprir etiquetas de equilíbrio, serenidade, isenção e outros predicados que a eminência e a grandiosidade o tornasse compatível com a postura ritual exigida para conduzir com elegância os delicados assuntos que envolvessem outras autoridades, instituições e valores sociais. A vulgarização da expressão hoje alcança vasta aplicação no jargão jornalístico e político pela forma precisa com que define esse dever-ser dos ocupantes de cargos eminentes, como é o caso de presidentes da OAB, mesmo que de seccionais estaduais.
Não foi com pouca surpresa que recebi pelo aplicativo WhatsApp uma gravação de áudio atribuída ao presidente da OAB/PA, Jarbas Vasconcelos, que acredito ser verdadeira, por conhecer-lhe a voz, e pelo fato público de ele tê-la produzido, comentando a performance de três candidatos à vaga do quinto constitucional ora sob certame.
As afirmações, considerações, comentários e adjetivações que ela contém revelam, caso verdadeiras, que seu autor se portou sem comedimento algum quanto ao respeito que é devido a qualquer pessoa e, de forma grave, ao mínimo que cada advogado deve a seus pares, o que, amplificado pelo fato de o seu autor ocupar a presidência da entidade que representa toda a categoria profissionais e deveria zelar pela dignidade dos seus membros, alcança significação bastante para descredenciá-lo de possuir toda e qualquer liturgia do cargo.
A Advocacia (com maiúsculas mesmo!) pressupõe a dignidade profissional de cada advogado. Essa dignidade é, como o ar e a água, fundamental para a vida de cada profissional inscrito na OAB, daí que, quando um é ofendido nessa prerrogativa, toda ela é violada, e a instituição pode desagravar mesmo sem requerimento do ofendido, e até sem o seu consentimento.
É deselegante que um advogado comente a infelicidade de outro em fazer um mal júri, uma má-sustentação oral; e deve-se tolerância caso o vencido proteste ou reclame, como reação humana normal de quem se sente mal compreendido. A etiqueta recomenda que jamais os ocupantes de altos cargos devam comentar insucessos dessa natureza ou rebater ou debater reações.
Mas no caso em questão a coisa foi pior, porque caiu no campo do achincalhe, atingindo mesmo a dignidade pessoal de alguns candidatos, classificados um como inepto que “tiraria nota zero em qualquer concurso” (dr. José Ronaldo Campos) e outro como “cuspalhão” e “vergonha” (dr. Bruno Coelho de Souza). E, mais grave ainda, isto não foi dito para uns ou alguns numa roda fechada: foi gravado e posto em circulação incontrolável na dinâmica inestimável que a mídia das redes sociais proporciona, impedindo que os atingidos possam se valer dos ensinamentos de Confúcio: “ser ofendido não tem importância nenhuma, a não ser que nós continuemos a lembrar disso”.
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