Por Carlos Eduardo Lins da Silva, no Observatório da Imprensa
É curioso que a presidente Dilma Rousseff tenha escolhido como sua estratégia de comunicação para reagir às imensas dificuldades atuais de seu governo falar a veículos da chamada mídia tradicional, sempre contemplada por seus aliados com os piores vitupérios.
Primeiro, em junho, foi uma entrevista ao programa de Jô Soares, na Rede Globo. Esta semana, ao jornal Folha de S. Paulo. Sua tentativa anterior de falar a um grande público, no Primeiro de Maio, havia sido pelo Facebook.
Antes, no Dia Internacional da Mulher, em março, seu discurso em rede nacional de TV, foi saudado por panelaços, que aparentemente a inibiram de continuar a requisitar, como tem direito a Presidência, a formação dessas redes para seus pronunciamentos (ao contrário de sua colega argentina Cristina Kirchner, que praticamente uma vez por semana se vale de tal recurso).
A comunicação de Dilma, tão incensada durante a campanha eleitoral do ano passado, tem sido alvo de intensos ataques desde que ela assumiu o novo mandato, principalmente dos setores que a apoiam politicamente.
Passou por um curto-circuito quando seu secretário de comunicação social e porta-voz, Thomas Traumann, foi obrigado a renunciar em março depois de ter sido vazado a público documento interno de sua autoria com críticas pesadas ao desempenho do próprio governo na área. Depois disso, as coisas só parecem ter piorado.
A alguém próximo da presidente deveria ter ocorrido que a escolha de veículos para ela aparecer em público pode ser associada a seus problemas políticos, em possível detrimento de sua imagem. Não só a escolha de veículos de comunicação, como Rede Globo, Folha, Facebook, rede nacional, TV Brasil etc., mas também veículos de locomoção de que se utiliza publicamente.
Primeiro, foi a bicicleta, quando seu governo era intensamente acusado de ter cometido pedaladas nas contas públicas, tidas como uma das possíveis justificativas para uma punição legal a ela, e agora em julgamento pelo TCU.
Claro que muitos podem ter julgado oportuno explorar a boa forma física que Dilma vem exibindo: isso poderia sugerir que também o governo e o país vão ficar saudáveis sob sua liderança. Mas a associação entre o possível delito contábil e o exercício aeróbico da presidente é imediata e nada favorável a ela.
Na semana passada, foi o passeio de 20 minutos no carro autônomo da Google em Mount View, Califórnia. De novo, não deve ter faltado quem achasse ser uma boa ideia a presidente mostrar-se aberta tanto às inovações tecnológicas quanto ao capital estrangeiro (como, aliás, já fizera meses antes, com resultados igualmente questionáveis, ao usar um moletom do Facebook ao lado do fundador e presidente da empresa em pleno Palácio do Planalto).
Mas a piada pronta da imagem de Dilma no banco de trás de um carro andando sem ninguém à direção ficou à disposição de quem quisesse, como José Simão: “É a cara do Brasil: o carro dirige sozinho e a presidente vai de carona!”. Ou o cartunista Chico: “Sem motorista ainda vai… sem direção é que o problema!”.
Não tem sido nada fácil a vida de Dilma nestes meses, e não serão golpes de marketing que irão salvá-la dos problemas seriíssimos que enfrenta, assim como não foi por causa deles que venceu a eleição de outubro último (apesar de tanta gente acreditar no contrário).
“Encoste a cabeça no povo”
Mas é claro que a imagem pode ajudar ou atrapalhar. O ex-presidente Lula tem insistido com grande veemência para que Dilma “encoste a cabeça no povo”, que vá ao encontro das pessoas, evidentemente para aparecer nos veículos de comunicação solidária com os brasileiros em dificuldade.
No entanto, sabe-se que este não é o estilo da presidente, muito mais introspectivo e pouco dado à demagogia. Para ela, deve ser complicadíssimo tentar seguir a orientação do mentor, para quem fazer o que recomenda é tão natural e eficiente.
O que a presidente precisa é dizer aos brasileiros algo que os convença de que ela pode dar conta da situação complicada em que o país se meteu. Neste aspecto, infelizmente, ela tem se assemelhado à oposição, que não é capaz de formular propostas reais que sejam vistas como alternativas viáveis às políticas públicas executadas pelo governo.
Tanto no programa de Jô Soares quanto na entrevista na Folha, ela não foi além de retórica vazia de conteúdo, a exemplo de Aécio Neves e colegas na convenção do PSDB. Nos dois casos, nenhum plano de ação concreto, muito voluntarismo abstrato; nenhum substantivo, profusão de adjetivos.
Ao tentar rechaçar com vigor a possibilidade de impeachment talvez ela tenha contribuído para elevar o tema na agenda nacional (se Dilma parece tão preocupada em refutá-la, talvez se possa inferir que sua possibilidade é real, como quando os dirigentes de futebol dizem que o técnico está prestigiado).
Em seu linguajar típico, quando o jornal lhe perguntou que tipo de “medidas estruturantes, que contribuem ao mesmo tempo para o ajuste como para o médio e longo prazos” ela iria adotar, Dilma respondeu: “tipo tipo”. Resposta “um tanto vaga”, para usar expressão que a presidente tem repetido.
Disse que “reconhece todos os erros”. Mas não citou nenhum (infelizmente, seus entrevistadores não cobraram para que o fizesse). Se tivesse assumido responsabilidade por parte das agruras por que todos passamos, talvez ganhasse alguns pontos na avaliação que os eleitores fazem dela.
Foi assim, por exemplo, quando admitiu publicamente e sem rodeios diversas falhas, que seu colega americano Barack Obama conseguiu em parte se safar de momentos de impopularidade. Em dezembro de 2011, por exemplo, em entrevista a Barbara Walters, disse que nos primeiros três anos de governo, tinha cometido pelo menos um erro por dia, e citou diversos especificamente.
Aliás, o único episódio de comunicação bom para Dilma no passado recente ocorreu, apesar dela, graças a uma intervenção desastrada de uma repórter e ao senso de oportunidade de seu anfitrião Obama na entrevista coletiva que ambos deram na Casa Branca.
A correspondente da Globo News Sandra Coutinho tentou armar uma pegadinha para Dilma com uma pergunta mal formulada em que tentava dizer que a presidente acha que o Brasil é um ator global mas o país é tratado por Washington como líder regional.
A presidente pareceu desnorteada por frações de segundo, e Obama rapidamente veio em seu socorro, embora a pergunta não tivesse sido dirigida a ele, e contraditou a premissa da questão da jornalista. Um gol de placa para Dilma, feito pelo centroavante americano.
Agora que Dilma diz ter restabelecido sua confiança pessoal em Obama, talvez ela possa pedir algumas instruções a ele, que tem personalidade mais parecida com a dela do que Lula, sobre como tentar reverter sua frágil comunicação pública atual e sobre como adotar medidas capazes de recolocar o país em ordem, como ele tem conseguido nos EUA.
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