Por João Ozorio de Melo, do Consultor Jurídico
O Google não precisa revelar a identidade, o endereço e outros dados de um blogueiro, que escreveu, sob o pseudônimo de “Trooper”, um texto ofensivo a uma empresa, de acordo com decisão do Tribunal Superior do Texas. A empresa pediu à Justiça a emissão de uma ordem que obrigasse o Google a revelar as informações, porque queria processar o blogueiro por calúnia e difamação.
A principal justificativa da decisão, por 5 votos a 4, é a de que o tribunal não pode atender ao pedido da empresa porque não se conhece a jurisdição em que o blogueiro poderia ser processado. Afinal, não se sabe seu nome, nem onde vive.
De acordo com a legislação do Texas, a ação contra o blogueiro, que a empresa anunciou antecipadamente que ia mover assim que descobrisse seu nome e endereço, só pode se dar na jurisdição que cobre o território em que ele vive.
Nos EUA, esse é um caso especialmente peculiar, por causa da autonomia da Justiça em cada estado e em cada jurisdição. Cada estado tem suas próprias leis e seu sistema judiciário completo, para tudo o que compete à Justiça estadual — e não à federal — julgar.
Assim, a empresa teria que provar que o blogueiro vive no Texas. Caso contrário, qualquer tribunal do Texas não teria jurisdição sobre o caso.
No processo em que a empresa de software Reynolds & Reynolds pediu à corte que obrigasse o Google a revelar os dados de “Trooper”, o blogueiro apresentou, por meio de seu advogado, uma declaração juramentada de que não vive no Texas e não tem qualquer ligação com o estado.
A declaração juramentada foi apresentada também anonimamente, aproveitando o recurso que a Justiça americana oferece a demandantes e demandados de se nomearem genericamente como “John Doe”.
O tribunal superior, que anulou decisão favorável à empresa em primeiro grau, declarou que o blogueiro tem o direito de manter seu anonimato, porque qualquer informação que prestasse nos autos poderia ser usada contra ele em ação criminal. E ele tem o direito de não se autoincriminar.
A empresa alegou, em sua petição, que o blogueiro é um funcionário insatisfeito que publicou informações confidenciais e declarações difamatórias contra a empresa e seu CEO, Robert Brockman. Segundo os autos, “Trooper” culpou Brockman pela perda de clientes, pelo declínio na qualidade do produto (um software para revendas de carros) e o chamou de “idiota”, “lunático” e “trapaceiro”, além de compará-lo a satã e ao artista de circo “Bobo, o Palhaço”.
Em voto dissidente, a ministra Debra Lehrmann escreveu que a decisão da maioria vai incapacitar pessoas e organizações de processar difamadores pela Internet, “efetivamente extinguindo as reivindicações daqueles que tiverem o infortúnio de serem difamados por pessoas que escondem sua identidade”.
“Com um simples clique em um botão, um escritor anônimo pode disseminar declarações difamatórias a milhões de leitores, arruinar reputações e sabotar carreiras”, ela escreveu. “Para piorar as coisas, as pessoas que praticam difamações não podem ser rastreadas sem a ajuda da provedora de serviço de Internet”, concluiu.
Como o tribunal decidiu com base apenas na questão da jurisdição, não chegou a discutir uma alegação mais interessante do blogueiro “Trooper”, segundo os sites statesman.com e Legal Insurrection. “Trooper” alegou que tem o direito, garantido pela Primeira Emenda da Constituição, de se manter anônimo, porque a liberdade de expressão na Internet, como em blogs e salas de bate-papo, é o equivalente moderno à distribuição de panfletos políticos.
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