O presidente russo, Vladmir Putin (na foto), após consumar a anexação da Crimeia, aprofunda a fenda entre o Ocidente e os emergentes. Putin parece ter dificuldade em ficar imobilizado e não tem perfil para ter contenções. Há dias na história que valem por meses ou anos e esse foi o caso do dia 18 de março de 2014, cujas consequências provavelmente repercutirão pelo mundo por muito tempo. Nesta data, Putin assinou um tratado com os governos separatistas da Crimeia (República Autônoma da Crimeia e Cidade de Sebastopol) sobre sua incorporação à Federação Russa. É a mudança mais drástica e explícita no relacionamento entre as potências desde o fim da União Soviética, em 1991. Agora, os pródomos dessa anexação e o posterior tratamento pode não ser instituído. O flerte e o futuro casamento de uma parceria com vários países parecem não ter mais repercussões, foi precedido pela separação litigiosa.
A falta de reciprocidade para uma política de aproximação com os EUA forçou, à época, Boris Yeltsin a dispensar os elementos mais liberais e pró-ocidentais de seu primeiro governo e abrir espaço a um nacionalismo autoritário disposto a apostar em alianças com a Índia e a China contra a hegemonia de Washington – mesmo se, em 1988, a Rússia foi aceita no G-8, o que como compensação foi muito pouco e tarde demais. Primeiro foi Yevgeny Primakov, depois Putin, cujo prestígio ficou assegurado ao esmagar, em 1999, a revolta separatista da Chechênia, que tinha sido reconhecida pela Georgia e pelo regime taleban então no poder no Afeganistão e apoiada pela Polônia e países bálticos, todos aliados dos EUA. Doente e desmoralizado, Yeltsin renunciou em favor do seu sucessor designado.
O cossaco nos seus dois primeiros mandatos presidenciais priorizou suprimir movimentos separatistas. Em 2004, o ataque terrorista em Beslan foi o equivalente russo do 11 de setembro. Deu-lhe pretexto para suprimir a eleição local dos governadores e ampliar o controle sobre a mídia. Reorganizou as Forças Armadas, desmoralizadas e sucateadas na era Yeltsin, e voltaram a ser respeitadas. O ocidente piscou e a Rússia toma nota da Lição. Moscou anda mais na defensiva. O glacial das estepes, com o seu jeito cossaciano de ser fez um discurso histórico. Com ironia e franqueza expôs a hipocrisia do Ocidente sobre leis internacionais, das quais se lembra quando convém, mas quebrou várias vezes desde 1991: citou Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Kosovo e Líbia e a própria ingerência mal disfarçada das potências ocidentais na Ucrânia, ao estimular manifestações e um golpe parlamentar em aliança com oligarcas tão corruptos quanto aqueles que foram derrubados e com uma perigosa militância fascista que agora controla os ministérios da Defesa e da Segurança.
Algumas semanas após anexação formal da Crimeia, ainda não está claro o que restará da Ucrânia quando o presidente eleito em 25 de maio tomar posse. Nos planos de Putin o jogo é: dividir para conquistar. E mais, manter a pressão sobre Kiev para adoção de um regime federativo com o objetivo de enfraquecer o poder central e que dê autonomia a seus aliados dentro da Ucrânia. A população do Leste do país, que por três quartos têm como língua materna o russo, e vários têm familiares do outro lado da fronteira, preferem manter elos com a Rússia. Detalhe: nem todos são separatistas, como martela a mídia ocidental.
O que já era ruim fica pior na Ucrânia. Rússia e os EUA trocam acusações e analistas dizem que a Guerra Fria já foi reativada. É evidente, de todo modo, que para o czar russo o melhor cenário é o caos ucraniano. A tensão aumenta a cada dia e agora com a ofensiva militar da Ucrânia no leste com a Rússia, tudo fica mais complicado. O Exército faz manobras e Putin interfere em assuntos internos e faz chantagem. O notável déspota teve inflada sua imagem pelo Congresso, quer que todos se garantam e o deixem em paz para fazer o que bem entender com a Rússia.
Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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