Por ANA DINIZ, jornalista, sem seu blog Na rede
Estive fora do ar na semana passada por conta do que chamo “a gripe de abril” – ela me derruba todos os anos, no mesmo mês. Mudança de estação, acho. Por conta da gripe, eu gostaria de escrever só sobre coisas belas e suaves – meigas, como diz a Mônica do Maurício Souza. Mas as meiguices que encontro... Vejo e ouço o ministro Mantega dizer na televisão que a inflação é sazonal. Pois vejam o que ele disse no ano passado, como publicou a e-revista “Época”, em sua edição de 15 de abril de 2013, sob o título “A inflação do tomate”:
O governo só se pronunciou sobre o assunto depois que o índice foi divulgado, na última quarta-feira. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que não pouparia esforços para evitar a alta de preços e quis demonstrar otimismo. Afirmou que a entressafra agrícola terminará em breve, que as pressões sobre o setor de serviços estão mais brandas. Também lembrou que a inflação de março foi a mais baixa do ano - segundo ele, um bom sinal.
Igual ao que ele disse agora – mas o bom sinal foi para o espaço, porque o IPCA (índice de preços ao consumidor ampliado) de março de 2014 foi o mais elevado dos últimos 11 anos. A presidente vai para a tevê para dizer que chove demais de um lado, seca demais de outro e, por isso... E aí o pessoal da carne vem e diz que sabe como é, a estiagem anual começou muito cedo e, então... E o padeiro da esquina explica, pela décima vez, que o dólar subiu e o trigo é argentino e, desse jeito...
Meigo demais para o meu bolso. Mais meigo ainda quando vem o Lula dizer que “temos que defender a Petrobrás com unhas e dentes” depois de ter permitido que a empresa chegasse ao ponto que chegou. As unhas e os dentes do Lula se mostraram mesmo foi na desmoralizante pizza antecipada proporcionada pela chamada base aliada. Se, antes, as CPIs acabavam em pizza, agora começam com pizza. Eu só queria saber quanto essa pizza rendeu para a base. Porque quanto custou para nós, cidadãos, eu sei: a Petrobrás.
Pensando bem, o problema é ser ex. Ex-aliado, como Eduardo Campos, que foi ministro lulista e agora ousa ser ex. Renan Calheiros o ameaçou de devassa no Ministério que comandou. O que o Renan sabe que a gente não sabe? A intimidade do governo. Que, pelo jeito, é mais podre do que se pensa.
E aí vem o falso ranqueamento da ONU colocando Belém como a 23ª cidade mais violenta do planeta. Mas, rapaz! O disparate é tanto que nem precisaria conferir. Mas eu fui conferir. Bem, a ONU não fez ranqueamento (nem pode; as estatísticas dependem de registro que, em países pobres ou emergentes, são muito falhos; o relatório até tem um mapa das cidades mais populosas do mundo – do Brasil, só S. Paulo aparece – mas com mais casas em branco que números). Dos dados existentes, as capitais do Panamá e de El Salvador aparecem com as maiores taxas: 53 e 52 homicídios no ano para cada grupo de 100 mil habitantes.
Agora eu gostaria de saber quem foi a alma penada que listou as 30 cidades brasileiras. Dei uma zapeada nas principais agências de notícias: nenhuma delas apresenta o tal ranqueamento. Vou mais adiante e descubro que o ranqueamento foi feito “pelo jornal O Globo com base em um documento do relatório”, informa Renan Truffi, no “Carta Capital”. Vou a O Globo: Marcelo Remigio é o nome do homem. Ele usou dois relatórios, um da ONU e um de uma ONG mexicana. Fez uma bela salada e serviu um fake, um engodo. Daí todo mundo reproduziu, sem citar a fonte (mau jornalismo, mas muito comum), dando uma aparência de verdade. Quero ver se O Globo se retrata, agora. Porque não tem ranqueamento e sequer base de dados completa no relatório da ONU.
E por falar em violência: se não forem tomadas medidas enérgicas agora, por quem de direito (leia-se Justiça Militar) o motim feito pela Polícia Militar na semana passada vai ser só um ensaio geral. Certas coisas não são meigas, motim é motim e funções de Estado são inegociáveis.
Um comentário:
Parabéns Ana, pelo jornalismo sério. Eu já havia citado aqui a tal ong mexicana.
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