segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Os oito sábios


Em meio a um mundo absurdamente consumista como o nosso, é confortante saber que alguém com proeminência no âmbito político-religioso, tal como o papa Francisco, adota conduta parcimoniosa no seu cotidiano e demonstra também ser possuidor de atributos cada vez mais em falta atualmente, a humildade e a preocupação com os mais carentes. Mas não abre mão da  régua e do compasso para o encaminhamento correto da Cúria. O anúncio da saída do cardeal Tarcísio Bertone, 78 anos e número 2 do Vaticano e a imediata substituição pelo arcebispo italiano Pietro Parolin, 58 anos, atual núncio da Venezuela, agora em outubro, é só o começo do enxugamento da hipertrofiada musculatura da Santa Sé.
A engrenagem da Cúria, o aparato administrativo, burocrático e político da Santa Sé funcione, necessário se faz uma vasta limpeza ética e moral na burocracia da Igreja Católica. A guerra santa de Francisco só está começando. E o primeiro grande movimento desse xadrez está na mais árdua de suas missões, a faxina dos desmandos no coração da Cúria, que já no período de João Paulo II e mais recentemente com Bento XVI, à revelia deles, virou um templo de denúncias de pedofilia acobertadas, roubalheira, corrupção e chantagem envolvendo prelados homossexuais que sequestravam o poder decisório do Vaticano mediante extorsão de dinheiro. Desagradável assim. Talvez seja em decorrência da cara sisuda, mas certamente de uma teia de acusações, que Bertone se transformou em um dos personagens centrais desse covil romano que agora Francisco pretende desmontar.
Jesuíta, este papa, que sabe usar simbolismos como poucos, é diferente de seus antecessores. E assim desafia os donos do poder em um mundo globalizante dominado pela economia, pela tecnologia e pela cultura. Francisco, o primeiro pontífice moderno não europeu, apesar de ser filho de piemonteses e de falar bem a língua de Dante, quer transcender o discurso da misericórdia e ir, como pastor, às periferias. E está disposto a fazer uma das maiores reformas que já se viu na Santa Sé. Quer tornar transparente a Cúria Romana.
Igualmente imprescindível é acabar com a cultura do segredo e mistério a envolver a chamada Instituição para as Obras de Religião, o Banco do Vaticano, mais conhecido por IOR, ou, de forma jocosa, como o Banco de Deus. Trata-se, na verdade, de um verdadeiro paraíso fiscal dentro do Vaticano, bastante eficaz para a lavagem de dinheiro, inclusive o da máfia. Outra faxina é aquela do lobby gay. Prelados, assessorados por cafetões da alta sociedade, utilizavam villas romanas e pasmem, até de aposentos do Vaticano para viver suas aventuras. E ainda cabe a Francisco lidar com a bandalheira de uma rede eclesiástica de pedofilia mundial, seja de prelados a escamotear casos de colegas, seja de clérigos a abusar de menores. São tarefas muito árduas. A limpeza imposta por Francisco é um serviço que faz atrelado ao histórico legado de Bento XVI.
A glasnost (transparência, em russo) e a perestroika (reestruturação) essas duas palavras pavimentaram o caminho para o fim do comunismo. Na Igreja de Francisco, evidentemente, a ideia é apenas reformar a burocracia, de modo algum mexer com as doutrinas católicas. O processo será mais lento, como convém a uma instituição milenar. Mas nem por isso menos profundo.
Os cardeais do Santo Padre devem enviar suas ideias por todo mês de setembro. As contribuições chegam por mala diplomática à Santa Sé, às mãos do cardeal chileno Francisco Javier Errázuriz Ossa, que frise-se, é um dos oito cardeais que integram o conselho designado por Francisco em abril para estudar o projeto da reforma curial. Sussurrado pelos corredores e criptas do vaticano de “os oito sábios”, eles compõem a tropa de choque de Francisco.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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