Por Humberto Werneck, no Observatório da Imprensa
Cada um dos que por lá passaram, e em 46 anos foram centenas, teve o seu Jornal da Tarde, e sobre ele poderia debulhar um mundo de impressões e lembranças. No caso do repórter esportivo Vital Battaglia, por exemplo, a experiência rendeu um livro, Ah! – Atestado de Óbito do Jornal da Tarde. A mim, bem mais modestamente, coube-me um período não muito longo – maio de 1970 a setembro de 1973 –, porém riquíssimo, em que vivi momentos cruciais de minha juventude e formação. Foi também um tempo de esplendor da lendária publicação paulistana, nascida em 4 de janeiro de 1966 e desaparecida, ao cabo de inglória agonia, em 31 de outubro de 2012.
Não sou apenas eu que digo: tenho sob os olhos uma declaração de Mino Carta, seu criador e primeiro editor-chefe, em 1986: a melhor fase se estendeu de 1969 a 1973, pois “é aí que o Jornal da Tarde se cristaliza”. Mino não puxava a brasa para suas fartas e invejáveis sardinhas, pois em janeiro de 1968 havia deixado a casa para criar a Veja.
Se está correta a sua avaliação, participei da melhor quadra de um desses raros jornais cuja existência a mais sucinta história dos avanços na imprensa brasileira não poderia ignorar. Do JT se falava, e não só em São Paulo, como algo revolucionário em termos de texto e design. Não se limitou a ser uma esplêndida costela do Jornal do Brasil, cujos experimentos, na década de 1950, ajudaram a desengravatar nossos diários. O JT levou adiante essa revolução, radicalizando o recurso ao espaço em branco e a um texto com pélvis cada vez mais solta. A palavra de ordem era o “texto leve”, porém substancioso, no qual emoção e humor eram bem-vindos. Não foi inovação pequena – a começar pela casa onde a nave-mãe, O Estado de S.Paulo, até então chamava gol de “ponto” e vereador de “edil”.
Tente imaginar o impacto que terá causado a chegada de um bando de jovens no ambiente circunspecto da empresa da família Mesquita, instalada ainda no número 28 da pequena, feia e triste rua Major Quedinho, no Centro da cidade. A redação do JT foi montada no mesmo quinto andar onde funcionava a do Estadão. Ligando uma a outra, havia um corredor largo, em discreto arco, que os recém-chegados (quase todos na “gloriosa faixa etária situada entre os 25 e os 30 anos”, haverá de se lembrar um deles, Carmo Chagas) não tardaram a batizar de “túnel do tempo”.
De madrugada, com a redação do Estado deserta ou quase, armavam-se no corredor umas peladas com bolas de papel. Foi ali que o repórter Ramon Garcia, com a pelota nos pés, percebeu que alguém se aproximava por trás – e aplicou artístico “chapéu” em ninguém menos que Júlio de Mesquita Filho, o Dr. Julinho. O comandante máximo da S.A. O Estado de S. Paulo seguiu firme, sem passar recibo da finta – ao contrário do filho Ruy, que um dia se encaminhava para o elevador quando o repórter Eric Nepomuceno, sem dar pela presença do diretor do JT, ergueu uma perna e apertou o botão com o pé. “Boa forma, rapaz”, disse apenas o Dr. Ruy.
Também no “túnel do tempo”, um chute desferido pelo subeditor de reportagem Sandro Vaia (muito mais tarde, diretor de redação do Estado) quebrou a moldura de um retrato de Machado de Assis. Quando, em abril de 1968, uma bomba explodiu no saguão do edifício, os peritos arrolaram a moldura entre os danos causados pelo atentado direitista. Foi também Sandro quem, numa madrugada de 1969, tendo chegado à redação do JT a notícia da morte do poeta Guilherme de Almeida, correu ao relógio de ponto e bateu a saída do ilustre colaborador do Estado.
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