A repercussão nacional que o crime ambiental perpetrado contra o Rio Tapajós, cujas águas, normalmente claras, límpidas e cristalinas, apresentam coloração barrenta, talvez esteja sendo maior somente agora porque uma imagem, como vocês sabem, vale mais do que mil palavras.
E são, de fato, chocantes e impactantes, como também revoltantes, as imagens aéreas colhidas nos últimos dias, mostrando o Tapajós, sobretudo em sua margem direita, com uma coloração amarelada, com uma cor de barro, que se estende numa larga extensão em direção à sua foz, já na altura de Alter do Chão, em Santarém.
Mas, convenhamos, não é de hoje que o Tapajós vem sendo castigado. Não é de hoje que vem sendo agredido criminosamente. Não é de hoje que o colossal volume d'água ostentado por aquele que é o maior afluente do Amazonas em sua margem direita vem sofrendo os efeitos diretos, como também nefastos e destrutivos, de atividades criminosamente ilegais desenvolvidas em suas nascentes, diante da complacência de órgãos de controle.
Cinco décadas de agressão - Essa agressão, que começou ainda nos anos 70 do século passado, quando a atividade garimpeira no Alto Tapajós, em regiões acima de Itaituba, portanto bem próximo às nascentes do rio, atingiu um nível de contaminação de tal ordem que muitos dos contaminados apresentaram sequelas terríveis, comparáveis aos dos atingido pela tragédia de Minamata, no Japão, em abril de 1956.
Muitos de meus ancestrais têm raízes no Alto Tapajós, sobretudo em Itaituba. Um tio - saudoso e querido - do meu pai foi um dos que primeiros contraíram doença decorrente da contaminação de mercúrio e apresentou severos sintomas, em boa parte agravados porque, àquela altura, ainda era grande o desconhecimento sobre como tratar desse tipo de contaminação em altíssimo grau.
A crônica de uma tragédia - Isso ocorreu, como dito, há cerca de cinco décadas. E melhorou? Não melhorou. Em março de 2019, matérias já mostravam o avanço assustador da garimpagem no Alto Tapajós. Nada mais contundente, todavia, como o documentário acima, produzido em 2017 e disponível no YouTube, com mais de 14 mil visualizações. É a história de Cássio Freire Beda, um paulista que expõe, dolorosa mas corajosamente, todo o processo que o levou a desenvolver os sintomas da doença de Minamata, resultante da intoxicação por mercúrio no Rio Tapajós.
Seus depoimentos são comoventes. Intoxicado por metilmercúrio através do consumo de peixe, ele contraiu a chamada Doença de Minamata ou Síndrome de Hunter-Russel, que compromete o sistema nervoso, porque atinge principalmente o cerebelo e o córtex visual, reduzindo as capacidades motora, auditiva, visual e somestésica (relacionada às sensações que se originam em diferentes partes do organismo).
A contaminação sofrida por Beda foi detectada por volta de 2016. Portanto, é recente, o que demonstra que, em cinco décadas, o Rio Tapajós vem sendo se tornando a parte mais visível, como também mais impressionante, de uma tragédia que se agrava progressivamente, chegando ao nível atual, em que novos recursos de coleta de imagens, sobretudo por meio de drones, oferecem as dimensões de uma tragédia ambiental que vai desfigurando o Tapajós.
Além de desfigurar o rio, essa tragédia pode matá-lo, no sentido de torná-lo inservível e fazer com que o Tapajós - acolhedor, lindo, majestoso e fonte de de alimentação para milhares de pessoas - seja de alguma forma associado a doenças e, quem sabe, a mortes que podem infelicitar a enorme sua população ribeirinha. Mortes como a do próprio Cássio Beda, infelizmente ocorrida em abril do ano passado.
MapBiomas confirma crimes ambientais - Não há qualquer dúvida de que a atividade garimpeira, escancarada pelo governo criminoso de Jair Bolsonaro, é a grande responsável por tudo isso, como demonstra nota técnica (veja aqui a íntegra) divulgada neste domingo (24) pelo Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas).
"A alteração da turbidez do rio Tapajós pode ser resultado da atuação conjunta de, ao menos, duas fontes sedimentares distintas, uma localizada mais a jusante (canais que conectam ao rio Amazonas) e outra mais a montante (atividade garimpeira do médio e alto Tapajós)", afirmam os oito signatários da nota técnica.
Eles lembram que, desde meados da década de 70, já se verifica atividade garimpeira na região, mas ressaltam que a área de garimpos na bacia do rio Tapajós saltou de 21.437 ha em 2010 para 68.351 ha em 2020, uma expansão de 46.914 hectares (equivalente ao tamanho de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul). "A área de garimpos detectados para o ano de 2020 é o recorde histórico da série de dados, que conta com 36 anos de imagens de satélite", acrescenta a nota.
Está tudo aí. Ainda é hora de salvar o Rio Tapajós. Mas, para isso, talvez seja necessário que o poder estatal, em todas as suas esferas e instâncias, reprima vigorosa e firmemente atividades ilícitas que vêm engordando os cofres de quadrilhas e extasiando os ecocidas e suas alucinações ideológicas, sempre tendentes a considerar que a necessidade de preservar o meio ambiente e de fazer uso sustentável de suas riquezas naturais não passa de mimimi.
Não. Não é mimimi. Está aí o Tapajós, que está sendo dizimado. Estão aí os contaminados, testemunhas de experiências tenebrosas provocadas pela poluição por mercúrio e muitos deles morrendo por causa disso. Como Cássio Beda.
Um comentário:
Com esse desgoverno, desde 2019 piorou demais, liberando os garimpos ilegais, desestruturado as instituições e fiscalizações importantes ao meio ambiente, é essa DESTRUIÇÃO TOTAL de nossa região..infelizmente nao existe Leis para punir essa ganância e matança!!
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