Oque leva um escritor talentoso a chocar pessoas de forma repugnante e completamente difamatória? É difícil explicar! O ano de 1966 foi excelente para Truman Capote. “A sangue frio” foi publicado em livro com pompa e circunstância e recebido com grande entusiasmo. Uma semana depois, a foto de Truman apareceu na capa de diversas revistas de circulação nacional, e o novo livro foi assunto das principais resenhas em quase todos os jornais de domingo nos Estados Unidos. Ao longo do ano, “A sangue frio” vendeu mais de trezentos mil exemplares e permaneceu na lista de mais vendidos do “The New York Times” por 37 semanas. O livro vendeu mais do que qualquer outra obra de não ficção em 1966; desde então, foi publicado em mais de vinte edições estrangeiras e vendeu quase cinco milhões de exemplares só nos EUA.
Truman passou o ano inteiro em evidência, concedendo inúmeras entrevistas, como convidado em talk-shows, tirando férias em iates e em casarões de campo e deliciando-se com cada minuto da fama. O ponto mais alto desse período foi o inesquecível “Black and white ball”, oferecido no fim de novembro de 1966, no Plaza, em homenagem a Kay Graham, editor do “The Washington Post”; a festa recebeu tanta cobertura na imprensa nacional quanto as reuniões de cúpula entre o Ocidente e o Oriente.
Truman, assim como a maioria de seus amigos, achava que o descanso era merecido; a pesquisa e a escritura de “A sangue frio” haviam levado quase seis anos e foram uma experiência traumática. Apesar das muitas distrações, Truman falava o tempo todo a respeito de “Súplicas atendidas”, nesse intervalo. Mesmo tendo publicado artigos e alguns contos nos anos seguintes, o autor não se dedicou à escritura do romance. O romance, segundo Truman, seria o equivalente moderno da obra-prima de Proust, “Em busca do tempo perdido”, e versaria sobre o mundinho dos ricos – aristocratas e café society – na Europa e na costa leste dos EUA.
A verdade é que o próprio Truman passou alguns anos (a partir de 1968) lendo e escolhendo, reescrevendo e organizando cartas, cartas de outras pessoas e vários de seus diários (que contêm relatos detalhados de centenas de cenas e conversas). Ele pretendia usar grande parte desse material em um livro planejado havia tempo; uma variação sobre o romance de não ficção. Chamou-o de “Súplicas atendidas”, que é uma citação de Santa Teresa de Ávila, que disse: “Mais lágrimas são derramadas por súplicas atendidas do que pelas não atendidas”. À época, conversando com seu redator americano Joseph M. Fox, o autor disse ter começado o livro pelo último capítulo. Na realidade, escreveu o primeiro, “Monstros imaculados”, e sabe-se que escreveu depois “Kate McCloud” e “La Côte Basque”.
A fama não fez bem a Truman. O fator decisivo foi a dependência cada vez maior para com o álcool e as drogas consumidas com avidez pelo autor. Até acredita-se que ele não sabia mais o que estava fazendo. A verdade é que a versão que acabou sendo publicada em “Súplicas atendidas” contém os três capítulos, que seguem a história de P. B. Jones, um escritor-massagista que provocou um terremoto que fez estremecer toda a pequena sociedade descrita por esse Sr. Jones. Quase todos os amigos que se reconheceram entre os personagens deram-lhe as costas, a alta sociedade retratada nessas explosivas páginas o execrou, e o medo das revelações que seriam feitas quando o livro fosse publicado na íntegra colocou todos em polvorosa.
A grande maioria de seus amigos virou-lhe as costas por contar histórias mal disfarçadas sobre a época de colégio, e muitos nunca reataram a amizade. Truman tornara-se irredutível. Dizia-se um escritor e usava tudo o que estava ao seu alcance. “Toda essa gente achou que eu era um simples entretenimento”. Mas o autor já percebia que estava abalado. Parou de trabalhar porque percebeu que estava metido numa confusão dos diabos, testou seus limites e acabou tragado pelo próprio talento.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
Um comentário:
O livro é uma radiografia da sociedade. Igual ao meu, Bem-vindo ao inferno.
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