Por RANDOLFE RODRIGUES
A última quarta-feira de novembro, dia 25, vai entrar para a história do Parlamento e do Brasil. Não apenas pelo fato da inédita, dolorosa sessão do Senado convocada para decidir se um senador da República em pleno exercício do mandato deveria ou não continuar preso, por ordem do STF. Mais do que a reafirmação de que a lei, no estado democrático de direito, vale para todos —grandes ou pequenos, poderosos ou impotentes, famosos ou desconhecidos—, a madura decisão dos senadores ganhou o reforço de uma decisão da mais alta Corte da Justiça brasileira para uma questão que não admite mais controvérsia: voto secreto no Senado, para garantir a impunidade, nunca mais!
Os fatos indicavam que, contrariando a Constituição Federal, um grupo de senadores tentaria livrar da prisão o senador Delcídio do Amaral, preso na véspera por flagrante envolvimento em manobras espúrias para evitar a delação premiada de réu preso e facilitar sua fuga do país, nos termos rigorosos da denúncia formulada pelo relator da Operação Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki. A gravidade dos fatos, comprovada em fita gravada de uma conversa nada republicana do líder do governo no Senado, levou à inusitada determinação para que a Polícia Federal consumasse a prisão do senador em exercício.
Ainda assim, horas antes do início da sessão extra convocada para deliberar se o senador continuaria ou não preso, conforme exige a Constituição, o presidente Renan Calheiros anunciava a um grupo de senadores que faria uma votação secreta, alegando ser esta uma determinação do Regimento Interno do Senado. Alarmado com essa possibilidade, decidi impetrar um mandado de segurança perante o STF, para que fizesse respeitar o fundamento constitucional e moral do voto aberto dos senadores em uma decisão tão dramática para o Congresso.
Constitucional porque, em dezembro de 2001, a Emenda à Constituição nº 35 corrigiu uma grave distorção da Constituição de 1988, que no parágrafo 3º do Art. 53 estabelecia voto secreto para casos de flagrante de crime inafiançável praticado por senadores e deputados. A emenda suprimiu a expressão ‘voto secreto’, tornando ostensivas as votações dos parlamentares.
Moral porque, no consenso de juristas, entidades públicas e a esmagadora maioria do povo brasileiro, o voto secreto cabe ao eleitor, não aos seus representantes eleitos. O povo tem o direito de saber como votam homens e mulheres que ganharam, pela decisão soberana do eleitor, o dever de representar a sua vontade na instância máxima da política — o Congresso Nacional.
Lutando contra o relógio, dois jovens e talentosos advogados, Ana Túlia Macedo e Danilo Morais, assessores de meu gabinete no Senado, trataram de coletar os dados e premissas que deram consistência e peso incontroverso ao Mandado de Segurança 33908, apresentado no final da tarde de quarta-feira ao Supremo. O ministro que o recebeu, Teori Zavascki, declarou-se impedido por ser o autor da ordem de prisão de Delcídio. Devolvido à Secretaria Judiciária do STF, o mandado foi redistribuído para o ministro Edson Fachin, enquanto transcorria a tensa sessão do Senado.
Num gesto de respeito democrático à vontade da maioria, o presidente do Senado, embora favorável ao voto secreto, decidiu submeter a premissa ao plenário. Perdeu por 52 votos a 20 pela decisão da maioria de votar abertamente. Neste momento, num ato convergente, o Supremo reforçava essa aspiração popular pelo voto aberto, reconhecendo a justeza do mandado por mim impetrado: “Defiro a medida liminar postulada para determinar ao Senado Federal que resolva, por voto aberto de seus membros, sobre a prisão decretada ao Senador Delcídio do Amaral. Comunique-se com urgência e pelos meios mais expeditos, autorizada, desde já, a utilização de fax pela Secretaria desta Corte, o Presidente do Senado Federal acerca do conteúdo desta decisão”, escreveu o ministro Edson Fachin, que teve a gentileza de me comunicar por telefone sobre o seu voto. Assim, quando faltava um minuto para as 21h, pude anunciar ao plenário sobre nossa vitória no Supremo.
A votação subsequente do Senado, já então decidindo em voto ostensivo sobre o mérito da prisão, refletiu com vigor ainda maior a decisão liminar do STF e a vontade expressa dos cidadãos brasileiros: por uma maioria avassaladora de 59 votos contra 13, o Senado abriu um precedente histórico e manteve a prisão do senador. A importância transcendental da liminar do ministro Fachin foi reconhecida logo após a sessão pelo senador Renan Calheiros: “Se houver outro caso, a votação será aberta”, disse o presidente, reafirmando a jurisprudência consolidada pelo Mandado de Segurança 33908.
O Brasil agora sabe, por decisão esmagadora dos senadores e pelo reconhecimento da Suprema Corte, que o voto secreto não ampara mais atos eloquentes de políticos, flagrados e gravados em ações que contrariam a Justiça e a lei, que vale para todos. Vale até mesmo para o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, denunciado ante o Conselho de Ética por envolvimento com a mesma Lava Jato que levou o senador à prisão.
Se o eventual processo de cassação de Cunha chegar ao plenário, os deputados estarão sujeitos à mesma transparência que se impõe, agora, a todos os senadores: o voto aberto. O voto límpido sob a claridade da lei e sob o escrutínio dos eleitores, o voto imune às manobras de bastidores e às sombras das negociatas. E os brasileiros saberão então como os seus representantes julgam, com as práticas ostensivas afirmadas pela Constituição e reafirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, as ações ainda obscuras do deputado que os preside.
A democracia brasileira ganha fôlego e vigor para atravessar as tormentas pela frente.
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RANDOLFE RODRIGUES é senador (Rede-AP).
Artigo publicado originalmente no Congresso em Foco.
5 comentários:
Quando o Congresso vota como julgador e legislador, o voto sempre deve ser aberto, como em um tribunal ; quando vota como eleitor, especialmente nos casos de eleição inter pares, o voto deve ser secreto, como em qualquer eleição. Uma especial exceção é a apreciação de vetos do presidente da República, aí é conveniente que seja secreto pois protege o parlamentar de retaliações do chefe do executivo.
Randolfe, anote esse none.
PB, Randolfe não é mais Psol. É REDE.
Randolfe é o único político, eleito pelo pobre e sofrido estado do Amapá, que realmente defende os interesses daqueles que o elegeram. Se consegue recurso para reforma e ampliação do aeroporto, ele mesmo fiscaliza a reforma e ampliação do aeroporto. Se o Pará tivesse um político como Randolfe, estaríamos melhor representados. Ao migrar a Rede abriu mão do radicalismo cobrado pelo PSol.
Ops!
É verdade, Anônimo das 10h56.
Já está corrigido.
Abs.
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