quarta-feira, 23 de julho de 2014
Aprendendo com o fracasso
Estamos cansados de ouvir que todo brasileiro é um técnico de futebol. Logo, podemos opinar. A Copa do Mundo chegou ao seu final, com a Alemanha campeã com todos os méritos. Há que se fazer muitos reparos, mas não há dúvidas de que a Copa foi bem-sucedida; vai ficar, com certeza, nos anais da História como uma das mais emocionantes e surpreendentes já realizadas. Embora tenha conquistado o quarto lugar, a campanha da seleção brasileira deixou muito a desejar. Em nenhum momento o Brasil teve em campo um desempenho à altura de suas glórias futebolísticas. A atuação da seleção brasileira nessa Copa teve estreita relação com o que aconteceu com a maioria dos nossos dirigentes políticos, com gestões caracterizadas pelo improviso e pela falta de planejamento.
O desastre, que se consumou nos 7 a 1 para a Alemanha e se reforçou nos 3 a 0 para a Holanda, oferece oportunidade para reflexão e ação. Será muito triste se o futebol brasileiro não conseguir extrair lições que o levem a superar suas precariedades estruturais, a começar pelo caráter amadorístico, patrimonialista e, não raro, corrupto de sua gestão. Durante décadas, fizemos uma administração do esporte mais popular do País como se ainda estivéssemos nos séculos XVII e XVIII, quando assumiu um perfil quase extrativista: entidades e dirigentes voltavam-se à exploração da admirável capacidade do Brasil de produzir talentos futebolísticos.
Ainda num passado recente, os campos de várzea e os campinhos dos clubes estavam cheios de jovens das classes populares, que acorriam em massa aos seus gramados. Tratava-se apenas de peneirá-los para descobrir as pedras mais valiosas, que logo atrairiam multidões aos estádios e surpreenderiam o mundo com sua inventividade. Mas o país mudou; as condições socioeconômicas que propiciavam essa realidade não mais existem. Enquanto isso, o planejamento e a gestão de futebol na Europa avançaram de maneira notável. Além disso, a globalização do esporte levou o velho continente a contar com os melhores atletas do mundo e a conviver com excelência inédita.
É necessário, a qualquer custo, aprender e ter humildade para que se possam prevenir crises futuras, com lições importantes que podem ser aplicadas em várias áreas. Inclusive nesta sofrida crise pós-goleada para a bem preparada seleção germânica. Um resultado que escancarou a crise do futebol brasileiro, reforçado pela derrota contra a Holanda. O fracasso da seleção é uma oportunidade para refletir sobre o atraso do futebol brasileiro e lançar novas bases para o esporte. A primeira lição da crise é a necessidade de dimensioná-la corretamente. Tentativas diversas por motivos distintos de subdimensioná-la, classificá-la como acidente ou determinar motivações ou razões específicas e menores são a pior abordagem possível.
Praticamente tudo já foi escrito sobre a tragédia brasileira do 8 de julho. Todas as piadas foram feitas, todas as críticas - Felipão assumiu a culpa pelo desastre que nos constrangeu terrivelmente diante do mundo inteiro. O país do futebol, a Copa das Copas, a cara da alegria e da descontração, tudo mergulhou no cinza da vergonha absoluta. Tivemos uma seleção despreparada, sem esquema tático definido; em seis minutos, nós, brasileiros, fomos do céu ao inferno, catapultados pela nossa fé inabalável nos milagres da bola, a tal brazuca, por mais distorcida e sem graça que estivesse, e mergulhados na vala comum de inapelável derrota para o disciplinado e, por que não reconhecer?, belo futebol germânico.
Li na Folha de S.Paulo, de 14.07.2014, crônica do notável jornalista Carlos Heitor Cony, fazendo apologia da nossa derrocada futebolística; foi buscar em Oscar Wilde, quando foi preso por sodomia e escreveu alguns de seus melhores poemas, o célebre “De profundis”, apoiado no Salmo 120, incluído entre as preces penitenciais de todos os pecadores, incluindo a Comissão Técnica. No Salmo, há uma pergunta crucial: “Se observares nossas iniquidades, Senhor, quem se salvará?”.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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