sexta-feira, 20 de julho de 2012

Os três níveis da recompensa



Oque esperar quando praticamos o bem a uma pessoa? A expectativa comum é pelo retorno personalíssimo dessa bondade. Gratidão, justiça e honra são alguns valores que parecem encomendados de alguém que tenha sido tocado por nossa mercê. Mas não espere tanto. Essa lei de causa e efeito nem sempre funciona com idênticos destinatários. A recompensa pode vir desfigurada pelas mãos que receberam sua atenção inicial. Para a prática do bem, existem três níveis de recompensa. Vejamos isto em escala descendente.
Quando praticamos o bem a uma pessoa, imaginamos que agora estamos em situação de crédito perante ela. É natural pensarmos que de idêntica forma seremos tratados. Reciprocidade. Esta é a mensagem que ecoa primeiro. Acalentamos sonhos de fraternidade e cumplicidade. E, de fato, alguns sabem retribuir o bem com o bem. Se a gente consegue isto, ótimo, que felicidade! Mas é bom saber que a recompensa pode estar no degrau do meio.
Em nível intermediário, a expectativa de recompensa é neutra. Zerada. Não ata nem desata. Quem praticou o ato heróico, nada espera em troca. Não há expectativas de altruísmo, agradecimentos, honrarias... Nadinha. Fez e está feito. Pronto. O ato é plenamente desvinculado do beneficiário.
Quem vive este nível de recompensa, sofre pouco pelas chamadas “ingratidões”. Não está nem aí para esse sentimentalismo. Sendo a bondade personalíssima mas a recompensa neutra, tudo bem. Se o ajudado está de pé, deixa andar. Está forte? Deixa correr. Cada qual segue sua trilha. Você fez o bem para quem hoje nem lhe nota. Problema dele! Mas, prepare-se: existe outro nível de recompensa. Veja se você já o alcançou.
No ponto mais baixo da recompensa, o bem parece se converter em mal. É a hora da prova. Pessoas que foram salvas pela nossa bondade podem levantar o calcanhar contra a gente. Agora, para quem está na ponta da prática do bem, é a hora de maior crescimento pessoal. O sofrimento dependerá do grau de sua expectativa. Se você conseguiu se livrar do encantamento do primeiro degrau, bom. Se alcançou relativa neutralidade, ótimo. Se chegou ao degrau rasteiro, excelente!
Acredito que esses degraus de recompensa têm a ver com o nosso amadurecimento. Na infância da vida, acreditamos que todo bem voltará pelas mãos que ajudamos. Estamos cheios de sentimentalismos. Porém, a sequência da viagem vai nos mostrando que não é bem assim. Bom se conseguirmos a neutralidade. Aqui o bem, se voltar, virá pela mão de outrem. Não estabelecemos aquele liame pessoal. Fazemos o bem por uma questão de princípios. Porque somos assim mesmo, e ponto-final.
Parece ser muito exigir que alguém espere o mau em troca do bem. Certo amigo, replicou-me: “Como? Esperar que a pessoa, a quem ajudo, me maltrate?!...”. Realmente, causa choque. Esse tipo de retorno parece fugir de qualquer noção de razoabilidade. Falta equilíbrio. Lógica. Humanidade. Falta tudo de bem. Mas existe, e devemos estar preparados.
Se não conseguirmos alcançar este ponto profundo, vamos estacionar no degrau do meio. Fazer o bem sem olhar a quem ainda é uma boa receita. Não aguardar uma recompensa direta, ótima forma de viver. Vamos assim, semeando amor, paz, cortesia, altruísmo, perdão... Vamos semeando o bem. Sem esperar que a planta nasça no lugar de sua semeadura. Eis uma sementeira viajante. A colheita pode ser hoje, amanhã ou bem mais tarde. Os ceifeiros também serão nossos filhos, netos e trinetos. É melhor mesmo esquecer quem ajudamos.

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RUI RAIOL é escritor
http://www.ruiraiol.com.br/

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