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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Atendimento médico emergencial


Sabemos que o individuo está em posição de subordinação aos poderes públicos, vinculando-se ao Estado por vedações e mandamentos (teoria dos quatro status do indivíduo perante o Estado, de Jellinek). Há, pois, nesse tipo de relação, a chamada eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Logo, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre o Poder Público e o particular não se discute. Mas será possível aplicá-los (os direitos fundamentais) nas relações privadas, ou seja, entre particulares?
Como contraponto à teoria vertical surgiu a da eficácia horizontal dos direitos fundamentais entre as relações privadas.
Parece que aplicar princípios fundamentais (direito à vida, isonomia, entre outros) nas relações humanas seja uma coisa óbvia, fácil, mas não é bem assim. Quer ver?
O condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial à exigência de garantias financeiras tem sido prática comum em nosso País e justificada pelo princípio da livre iniciativa, no qual a organização e a atuação do setor produtivo estão orientadas pelas forças de mercado, a "mão invisível" a que se reportou o economista Adam Smith.
Ninguém discute que na questão existe intensa relação entre particulares (individuo versus empresa prestadora de serviços).
Nossa Constituição alberga o princípio da livre iniciativa, norteador de nossa ordem econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Esse princípio convive com outros, como seja o do direito à vida, afinal não teria sentido se antes não fosse assegurado o direito de estar vivo. De passagem, merece registro o da liberdade, cuja ausência, segundo alguns, levaria a existência humana a não ter sentido.
Inexiste hierarquia entre princípios constitucionais e, na eventual colisão entre os valores assegurados em seus textos, o conflito aparente é solucionado por meio de um juízo de ponderação, prevalecendo aquele que mais deva ser respeitado no caso concreto.
Veja-se o seguinte exemplo. O princípio da livre iniciativa garante a prestação remunerada de serviços médicos, com vistas a assegurar não só a existência digna do profissional da saúde e de sua família, como, também, da empresa onde trabalhe e dos seus empregados (existência digna). Se a remuneração tiver de ser garantida ou paga antes da prestação dos serviços médicos, sem alguma circunstância mínima comprometedora da vida do paciente, a exigência estará garantida pelo princípio da livre iniciativa.
Diferente, porém, do caso em que a garantia ou o pagamento são exigidos para o atendimento medido-hospitalar emergencial, porque decorreria colisão natural com o princípio do direito à vida em seu sentido mais estrito, o qual deve ser preservado, fazendo que a livre iniciativa não confronte com sua finalidade (ditames da justiça social).
Veja-se que, neste caso, usou-se a técnica da ponderação e da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Temos a impressão de que não foi por menos que o Estado, para garantir essa eficácia, recentemente editou a Lei nº 12.653, de 28 de maio de 2012, incluindo no Código Penal (art. 135-A), na parte reservada aos crimes contra a pessoa, a conduta exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, cuja pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa, aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resultar em lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.
O bem jurídico protegido pela norma penal é a própria vida. O crime é formal, bastando a exigência da garantia ou do preenchimento prévio de formulários administrativos para que o agente incorra nesse modelo de conduta proibida. Eventual garantia dada ou preenchimento desse documento trata-se apenas de exaurimento do delito.
O crime pode ser cometido por qualquer pessoa - e não só pelo médico, pelo gerente ou pelo diretor do estabelecimento hospitalar - eis que se trata de infração penal comum.
É, também, instantâneo, cuja consumação não se prolonga no tempo, como ocorre com o sequestro (enquanto durar a privação da liberdade da vítima).
Como toda atividade delituosa, é necessário o dolo na conduta do agente, consubstanciado pela vontade livre e consciente de exigir a garantia ou preenchimento do formulário para atendimento médico-hospitalar emergencial. Daí ser difícil que mero empregado incorra nesse novo modelo penal, ainda mais se pressionado, pelo proprietário, diretor ou sócio do estabelecimento a ter essa conduta, porque lhe faltaria o dolo na conduta.
Apesar do esforço do legislador, cumpre-se registrar que as penas são brandas. A propósito, em crimes cujas penas máximas não ultrapassam dois anos o flagrante só é lavrado se autor do fato não se compromete a comparecer em juízo para a audiência, além de haver, caso denunciado, a possibilidade da transação penal ou da suspensão condicional do processo, já que a pena mínima é inferior a um ano.
O futuro dirá se essas sanções serão capazes de impedir o delito ou de relembrar que o juramento de Hipócrates não pode ser abortado nem mesmo antes de o enfermo ingressar no hospital.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é especialista em Direito do Estado

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Zona franca em território paraense


A troca de parlamentares e de chefes dos governos estaduais representa boa oportunidade para a análise de muitas propostas que podem resultar no desenvolvimento econômico e social de uma região.
A sugestão que ora se oferece não é nova, tendo sido publicada em jornal impresso local (O LIBERAL) em 2004 e 2008.
Trata-se da implantação, neste Estado, de um modelo de zona franca.
Por meio da criação de incentivos fiscais, a Constituição da República brasileira permite, para efeitos administrativos, que a União articule sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais.
No Brasil, existem as zonas francas de Manaus (no Amazonas), instituída pelo Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, de Macapá e de Santana (ambas no Amapá), estas beneficiadas pelo contexto dos incentivos fiscais por meio da Lei nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991.
São áreas de livre comércio de importação, de exportação e de incentivos fiscais especiais, administradas pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), criadas para estabelecer na Amazônia núcleos industriais e comerciais dotados de condições econômicas, a permitir o desenvolvimento em razão da distância dos centros consumidores de seus produtos.
A norma federal que estenda os efeitos desses benefícios a outras cidades forma-se a partir de um processo legislativo ordinário, porque cuida de lei com essa natureza.
Do modo como ocorrido com Macapá e Santana, a inclusão de qualquer cidade paraense no decreto bastaria para fazê-la usufruir da igualdade desses benefícios.
Existem argumentos positivos de sobra para a criação de uma zona franca no Pará. A redução da miséria, a geração de emprego, a criação e a distribuição de renda, o desenvolvimento sustentável do meio ambiente, o redirecionamento definitivo da cultura extrativista para industrial, o desenvolvimento da capacidade científica e tecnológica regional, o incremento das importações de insumos e das exportações, além do aumento das receitas tributárias, a possibilitar mais investimentos públicos em saúde, educação e segurança são alguns de seus benefícios.
Vale ressaltar que inexiste renúncia impositiva quanto ao ICMS e IPTU, mas sem dúvida que incentivos estaduais e municipais são imprescindíveis para o sucesso de uma zona franca.
Geralmente, o governo federal posiciona-se desfavorável ao modelo, porque entende que há perda de receita tributária.
A indústria paulista e as regiões onde já instaladas zonas francas também não admitem a expansão para outros lugares.
Para amenizar comportamentos dessa natureza, que poderiam resultar na rejeição do projeto de lei ordinária de criação da zona franca, um formato de menor abrangência talvez seja a solução.
Poderia ser beneficiado somente o setor industrial e áreas como a mineração, a medicina, a construção naval e a moveleira. Também com as devidas alterações legislativas, a Sudam poderia administrar os incentivos fiscais concedidos.
Apesar de acreditar que muitas cidades paraenses têm logística adequada para escoar produtos - eclusas (transporte hidroviário), abertura para o oceano Atlântico, além de portos, aeroportos e rodovias que as interligam aos grandes centros consumidores -, a Região Metropolitana de Belém não pode ser excluída de eventual contexto beneficiado.
Seria bom que os políticos paraenses ─ senadores, deputados federais e estaduais, governador e, especialmente, o seu vice, que salvo engano é um tributarista ─ analisassem essa matriz de desenvolvimento para o Estado paraense, pois a única certeza é a de que a inércia política sobre a diminuição das desigualdades regionais manterá o Pará no pódio da violência, da baixa qualidade de vida e da má educação. Para quem duvida, basta verificar os dados recentes do IBGE acerca do PIB e do IDH dos estados e cidades da Região Norte

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ROBERTO PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O valor, as autoridades e as minorias


O jusfilósofo brasileiro Miguel Reale afirma que "o valor é o que vale."
Não sendo objeto (coisa real) ou ideal, a existência do valor no mundo jurídico brasileiro depende de materialização, geralmente feita por normas escritas.
Daí também a afirmação desse jurista no sentido de que o Direito é fato, valor e norma (teoria tridimensional). Mensuradas as consequências do fato (boas ou não), a sociedade lhe dá o valor que bem entender. Se resultar em norma, o acerto ou o erro da escolha será obedecido por todos, sob pena de instalar-se o caos.
Nesse contexto, cabe ao legislador a elaboração das normas. Ao administrador público incumbe a tarefa de executá-las dentro dos princípios constitucionalmente estabelecidos (moralidade, eficiência, etc.). Já ao juiz cabe julgar os fatos que lhe são colocados para apreciação por meio do processo e o que decidir terá valor normativo entre as partes (ou a todos, se for o caso).
Embora o magistrado não possa criar leis (ofensa ao princípio da separação dos Poderes), possui a função legislativa negativa: na eventual omissão de norma em relação ao fato apresentado deverá decidir de acordo com a analogia, com os costumes e com os princípios gerais de direito, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. Não há para o juiz um claro normativo. Nossa Constituição está impregnada de opções valorativas, consubstanciadas em normas que têm pouca ou nenhuma efetividade.
Percebemos isso quando lemos na Constituição da República que o salário-mínimo deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Também é notado quando determina que a saúde seja direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Igualmente ao dispor que a educação é direito de todos e dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
É certo que existem diferentes tipos de eficácia em relação às normas constitucionais (plena, contida, restringível, etc.), não sendo, todas, autoaplicáveis. Não obstante, os governos são incansáveis em insistir na tese segundo a qual não é possível fazer tudo, minimizando a importância das normas criadas a partir do valor atribuído pela sociedade ao fato.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Poder Judiciário pode determinar em bases excepcionais, nas situações de políticas públicas definidas pela própria Constituição, que estas sejam implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão importou no descumprimento dos encargos políticos que comprometem garantias e direitos assegurados na Carta Maior (princípio da reserva do possível).
Ocorre que em nome do princípio da razoabilidade o Judiciário tem suspendido a execução de decisões garantidoras de políticas públicas que importaram omissão dos governantes.
Portanto, se "valor é o que vale" por que as autoridades minimizam a importância das normas constitucionais criadas a partir do valor atribuído pela sociedade aos fatos? Talvez desconheçam que um verdadeiro Estado Democrático de Direito deve contemplar as minorias.

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ROBERTO DA PAIXÃO Júnior é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Duas éticas


A todo instante, somos desafiados a mostrar nossa ética, mas sem dúvida que o político é o sujeito mais provocado nesse campo, especialmente quando portador de mandato eletivo. Vamos abordar o tema em função desse último agente.
Indagamos: é possível a existência de duas éticas para o político? Conforme demonstra a realidade do País, somos obrigados a sustentar, sem gosto, uma resposta positiva, já que a divisão dos valores no ser (pessoa) é a exceção.
Sem generalizar, há para essa gente uma ética toda particular, em que procuram obter direitos comuns ao meio social, e outra política, na qual se servem sempre que necessitam ingressar ou se sustentar no Poder.
Surge, então, outra questão: a par dessa existência as duas éticas podem coexistir? A resposta, infelizmente, também não será negativa. A uma, porque para a classe política o ser (pessoa) é diferente do dever-ser (pessoa na política). E a duas, porque para eles não somos, e sim apenas formamos uma coletividade eleitoral apta a ser manipulada, a fim de depositar neles os votos necessários para alcançar o Poder.
Estaremos diante da ética política toda vez que alguém discursa prometendo um mundo melhor e quando eleito esquece o compromisso assumido.
Maquiavel, na obra O Príncipe, esclareceu que "entre como se vive (na política) e como se devia viver (na ética) há tamanha diferença, que aquele que despreza o que se faz (realismo político) pelo que se deveria fazer (conforme as regras da ética) aprende antes a trabalhar em prol da sua ruína do que da sua conservação". Talvez por isso a classe política brasileira tenha optado por usar duas éticas.
Os escândalos no Senado brasileiro, que até o momento resultaram somente em uma infeliz declaração do chefe do Poder Executivo Federal (de que o presidente daquela Casa Legislativa não deveria ser julgado como um homem comum), demonstram a existência e a coexistência de duas éticas na política nacional, sem qualquer preocupação.
Tomara que os príncipes do caso tenham em mente que uma das coisas que estragam o político é o ódio sustentado por seus vassalos, que, cansados do egoísmo dos suseranos, decidem romper com eles porque não suportam amparar uma ética na qual os desonestos sobrevivem.

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ROBERTO DA PAIXÃO Junior é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Lavagem de dinheiro


O conhecimento da norma escrita tem presunção legal absoluta, porque ninguém se isenta de cumprir a lei ao argumento de que não a conhece.
Com o objetivo de prevenir e combater os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, foi editada a Lei nº 9.613/98.
Referida norma criou para as sociedades distribuidoras de quaisquer bens imóveis algumas obrigações, entre as quais a de manter cadastro atualizado de seus clientes e de todos os intervenientes (compradores, vendedores, seus cônjuges ou companheiros, administradores e controladores, seus procuradores ou representantes legais, corretores e advogados), cuja transação seja igual ou superior a R$ 100 mil.
Também se obrigam a manter o registro sobre a identificação do imóvel (descrição, endereço, matrícula e a data do registro no cartório de imóveis) e da transação imobiliária efetivada (data, valor, condições de pagamento e se este foi efetuado por meio de cheque ou transferência bancária, caso em que se deverá consignar o banco envolvido, a agência, a conta, o número do cheque ou qualquer outra forma de pagamento).
Submetem-se a tais determinações as empresas construtoras, incorporadoras, imobiliárias, loteadoras, leiloeiras de imóveis, administradoras e cooperativas habitacionais. Em caso de descumprimento estão previstas, entre outras, as seguintes sanções: multa pecuniária de até R$ 200 mil ou de até 200% do lucro obtido (ou do que seria auferido com a transação) e a cassação da autorização para operação ou funcionamento, sem prejuízo das sanções penais.
As transações devem ser comunicadas pelas empresas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que também foi criado pela norma acima indicada, no âmbito do Ministério da Fazenda, para, se for o caso, aplicar as penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na norma em questão.
O COAF é composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, integrantes do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Receita Federal do Brasil, de órgãos de inteligência do Poder Executivo, do Departamento da Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores.
A finalidade das imposições é conferir responsabilidades aos intermediários dos recursos, porque podem ter sido usados como canais para a "lavagem" de dinheiro.
A prevenção é o modo mais eficiente de combater o delito de lavagem, cujas práticas antecedentes estão associadas, de modo geral, a crimes como o tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando de armas, o seqüestro, contra o sistema financeiro nacional, a Administração Pública e os praticados por organizações criminosas.
Alguém disse, um dia, com razão, que o dinheiro, em relação ao indivíduo e aos laços sociais muda a fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude, o servo em senhor, o senhor em servo, a estupidez em inteligência e a inteligência em estupidez.
Portanto, faça a sua parte. O endereço do COAF é SAS - Q. 03, Bloco O, 7º andar - Ed. Órgãos Regionais - MF - CEP 70.079-900, Brasília, DF, Telefone (61) 3412-4746.

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ROBERTO PAIXÃO JÚNIOR é Especialista em Direito do Estado
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Temos poder político?


Para responder a indagação, é preciso entender o poder e o modo pelo qual se concretiza.
Em acepção simples, poder significa capacidade de agir para produzir efeitos. Denota, também, a probabilidade de alguém não atuar, já que a omissão pode causar um resultado.
Para Norberto Bobbio, a modernidade impôs conceituar o poder como a soma de três poderes: o econômico, a induzir os que não possuem bens a manter certo comportamento, consistente na realização de um tipo de trabalho para quem possui; o ideológico, que se influência pelas idéias formuladas pelo poder dominante, cuja função é o consenso, a fim de assegurar as estruturas intactas de domínio; e o político, consequência de quem detém o poder econômico e o poder ideológico, a resumir-se na força da autoridade moral ou física aptas a garantir a permanência dos privilégios de determinado grupo. Interessa-nos a última forma de poder.
A concretização do poder político dá-se pela relação do homem com outro homem, dos governantes com os governados, da autoridade com a obediência e do Estado com seus cidadãos. Exemplo: materializamos tal poder ao delegar nossa vontade de autodeterminação para o Estado.
Apesar de saber que o poder será formado por homens, arriscamo-nos a delegá-lo porque as experiências demonstraram que o individualismo não é sinônimo de pacificação social.
Para garantir o poder político, e por considerar a sociedade extremamente conflituosa, abrimos mão até do nosso modo de pensar e de agir. Aprendemos, então, que a igualdade não está, necessariamente, em tratar igualmente os iguais e sim considerar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam, conforme ensinado por Rui Barbosa.
Porém, há contrapontos. Decorre do poder a nossa transformação em massa de manobra. E para quem acha que isso não é possível, perguntamos: pode a sociedade civil barrar a candidatura de quem possui "ficha suja"? É possível destituir antes de quatro anos o eleito que traiu as expectativas dos seus eleitores? É permitido ao povo afastar, ainda que temporariamente, o agente público que extrapolou suas funções até que seja
definitivamente julgado? Temos como indicar pessoas a cargos públicos? É claro que não.

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“A igualdade não está, necessariamente, em tratar igualmente os iguais e sim considerar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam, conforme ensinado por Rui Barbosa”
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Opinamos no sentido de que é preciso criar mecanismos para não fazer escapar do povo o poder político. Lembre-se que depois das eleições a regra é esquecer o eleitor, não é?
Não queremos nada que nos afaste do Estado Democrático de Direito, mas afigura-se incômoda a ausência de um poder político direto e efetivo capaz de nos proteger dos que dele fazem mau uso.
Há quem sustente que não adianta mudá-lo sem alterar a consciência humana. Ulisses Guimarães discursou: "mudam-se os generais, mas a corrupção é a mesma!". Contudo, a Constituição da República assegura que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento que contém o ideal político almejado pelas Nações e da qual o Brasil é signatário dispõe (art. 21) que todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente. Então, por que não cumprir tais determinações?
Só teremos poder político funcional, real e efetivo ? e acima de tudo democrático ? se pudermos evitar que nossos representantes eleitos façam mau uso dele. Do contrário, permaneceremos como cegos guiados por cães infiéis.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 27 de dezembro de 2008

O STF e o nepotismo


Apesar de não concordar, respeitamos a idéia segundo a qual o Supremo Tribunal Federal (STF) teria usurpado a competência do Poder Legislativo ao editar a Súmula Vinculante nº 13, que trata do nepotismo.
Para quem não lembra, a súmula baniu, em quaisquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta. Também proibiu o ajuste mediante designações recíprocas (o nepotismo cruzado).
O STF jamais se arvorou titular de um poder-dever inexistente. A possibilidade de editar súmulas vinculantes - entre estas a que dispôs sobre o nepotismo - lhe foi dada pelo legislador federal, que usando o poder reformador derivado previsto na Constituição Federal (CF) criou a Emenda Constitucional nº 45/04.
A emenda dispõe que o STF poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou seu cancelamento, na forma estabelecida em lei. A matéria foi regulamentada pela Lei nº 11.417, de 19/12/2006.
A súmula tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas acerca das quais haja controvérsia atual, entre os órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão. Daí porque a sua natureza jurídica seja de ato jurisdicional vinculante, que não se confunde com lei em sentido estrito, malgrado gerar efeito semelhante.
A súmula vinculante garante o princípio da igualdade. Evita que a mesma norma seja interpretada de forma distinta para situações idênticas. Serve para desafogar o STF porque impede a repetição de casos cujo desfecho já é conhecido.
De qualquer modo, o legislador não está engessado para formular lei sobre o tema enfrentado pela súmula. Porém, ao fazê-lo deverá se submeter à interpretação nela contida. Se o conteúdo sumular diz que viola a constituição contratar parentes até o terceiro grau, o legislativo não poderá editar norma que permita tal contratação, mas se quiser poderá agraciar o parente do quarto grau.
Muitas leis são editadas (ou corrigidas) pelo Congresso Nacional com base na interpretação dada pelo STF, que embora não seja o dono da verdade é quem dá a última palavra sobre a Constituição.
Portanto, nada foi usurpado do legislativo. O STF não fez outra coisa senão exercer o poder-dever assegurado pela CF, idealizado pelo legislador, circunstância que, inclusive, homenageia o sistema de freios e contrapesos e garante a independência e a harmonia entre os três Poderes.
Para quem perdeu o salário nepotista, resta um consolo: há milhares de vagas no serviço público a serem preenchidas por meio de concurso. Mas como todo cidadão comum ele terá que estudar - e muito -, porque graças ao STF não terá mais para o ingresso na carreira a mãozinha do avô ou da avó, do pai ou da mãe, do irmão ou da irmã, do tio ou da tia, do sobrinho ou da sobrinha, do sogro ou da sogra, do genro ou da nora, do cunhado ou da cunhada.
Em vez de desviar o foco, que tal ingressar com ação de improbidade administrativa, cominada com pedido de ressarcimento ao erário, contra quem não cumpriu a determinação da súmula nº 13 a partir da sua publicação? Viva o STF!

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 6 de dezembro de 2008

O preço da corrupção


Daniel Dantas e outros dois réus foram condenados pelo juiz federal Fausto De Sanctis pela conduta descrita no art. 333 do Código Penal (Corrupção ativa).
A sentença, com 312 páginas - o que não significa mérito -, sancionou o banqueiro a 10 anos de reclusão, arbitrou a multa penal em R$ 1.425.525,00 e fixou a reparação do dano decorrente do crime na quantia de R$ 14.094.000,00.
Sem entrar no mérito, vamos recordar o dispositivo penal em referência.
A corrupção ativa é a conduta de quem oferece ou promove vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, inclusive o funcionário público se desprovido dessa qualidade e agindo como particular. O Estado é o agente passivo porque a probidade de seus funcionários é o desejo da coletividade.
Após a Lei nº 10.763/03 a pena é de dois a doze anos de reclusão e multa. Mas se a corrupção foi praticada antes, o princípio da irretroatividade da lei penal garante a aplicação das sanções antecedentes, cujos limites variam de um a oito anos e multa. Neste caso, o agente terá direito à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), pois a reprimenda mínima não ultrapassa um ano
A tutela jurídica do crime visa proteger a moralidade da Administração Pública. São dois os núcleos da infração penal: oferecer (pôr à disposição ou disponibilizar para que seja aceito) ou prometer (comprometer-se a dar) vantagem indevida. É imprescindível que a oferta ou a promessa (que pode ser feita por terceiros, caso em que será o co-autor) tenha por objeto que o funcionário público pratique, omita ou retarde ato de ofício, isto é, que esteja nas atribuições funcionais do servidor público. A vantagem deve ser patrimonial, embora haja quem entenda que seja de qualquer espécie.
É crime de natureza formal, porque a consumação independe do resultado naturalístico (prejuízo causado à Administração Pública). Basta o oferecimento ou a promessa.

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Acreditamos não ser crime a conduta de quem, sem oferecer ou prometer algo, pediu para a autoridade dar um "jeitinho". Simples pedido de preferência na prestação de serviço público também não caracteriza o delito, quando desacompanhado do oferecimento ou da promessa de vantagem.
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Importante: não se deve ter por caracterizada a infração penal se o funcionário público, praticando ato ilegal, provoca a situação propícia ao oferecimento ou a promessa. E isso porque o ato ilegal não configura ato de ofício. A propósito, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, "o que se procura resguardar, no art. 333 do Código Penal, é a violação da consciência do funcionário que está praticando ato legal, ato de ofício e não prestigiar arbitrariedades."
Acreditamos não ser crime a conduta de quem, sem oferecer ou prometer algo, pediu para a autoridade dar um "jeitinho". Simples pedido de preferência na prestação de serviço público também não caracteriza o delito, quando desacompanhado do oferecimento ou da promessa de vantagem.
Haverá figura qualificada (e a pena aumenta em um terço) se o funcionário público retardar ou omitir o ato de ofício, ou o praticar infringindo dever funcional, porque maior a lesão ao bem jurídico protegido pela norma.
O delito se consuma ainda que o servidor recuse a vantagem. Se esta for inexistente, a infração também estará aperfeiçoada. Já se a oferta ou a promessa for dirigida a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, dá-se a corrupção prevista no art. 343 do CP. Se o ato for funcional militar, o comportamento está descrito no art. 309 do Código Penal Militar.
Em todos os casos, só haverá crime se presente o dolo na conduta do agente, ou seja, a vontade livre, consciente e dirigida para o fim de oferecer ou promoter a vantagem indevida.
Não tivemos acesso aos autos da ação penal. Logo, se a condenação e as sanções impostas na sentença foram justas e proporcionais apenas o tempo e os tribunais responderão. Porém, é possível concluir, sob o aspecto da punição aplicada, que "nunca antes na história deste País" o preço da corrupção ativa foi tão caro.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 22 de novembro de 2008

Acordo de preços

A atividade econômica brasileira fundamenta-se num conjunto de relações interindividuais, cuja expressão é o mercado.
Quando a procura de um produto ou serviço excede a oferta, sabemos que seu preço tende a subir; se a oferta ultrapassa a procura, então o preço tende baixar. Em respeito ao predomínio da autonomia da vontade privada na esfera econômica, é necessário que vendedores e compradores se entendam livremente. Não sem propósito que o chamado preço normal é definido como o resultado do livre jogo das forças econômicas.
Ocorre que o homem, dada a sua natural ambição, desvia-se com freqüência dos princípios que cercam a concorrência. Surgem os abusos. Um destes consiste na conduta de quem, a pretexto de preservar a sobrevivência da empresa, combina com os concorrentes um percentual de reajuste de preços dos seus produtos ou dos seus serviços.
A Constituição Federal (CF) estabeleceu no art. 174, caput, que "como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."
Então sobreveio a Lei nº 8.884, de 11/6/94, que definiu as infrações contra a ordem econômica, cuja repressão, é importante anotar, não exclui eventual punição de outros ilícitos previstos em lei, inclusive penais.
Ela alcança às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica.
Estabelece que as diversas formas de infração da ordem econômica implicam na responsabilidade da empresa e na responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.
Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto, ou possam, ainda que não sejam alcançados, limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; e obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes.
A prática dessas condutas sujeita os responsáveis, no caso de empresa, a multa de um a 30% do valor do faturamento bruto no seu último exercício. Na hipótese de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida pela empresa, a multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador. Para as demais pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas, de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6 mil a 6 milhões de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
Os prejudicados, por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei nº 8.078, de 11/9/90, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que infrinjam a ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos.
Além de infração civil, o agente que formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando à fixação artificial de preços incorre na conduta criminosa descrita no art. 4º da Lei nº 8.137/90, cuja pena é de reclusão de dois a cinco anos, ou multa.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 18 de outubro de 2008

Onde está o bom exemplo?


Há instituições que ignoram o valor constitucional das determinações vinculantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e tentam, a todo o custo, construir interpretações para evitar aplicá-las.
A aprovação no último dia 14, pela Mesa Diretora do Senado, de uma resolução que permite a parentes de senadores contratados antes da eleição parlamentar permanecerem nos cargos comissionados é um exemplo.
O desrespeito às normas constitucionais pode ocorrer mediante ação estatal ou sua inércia. Na hipótese, trata-se de um comportamento ativo (ação) a merecer a devida reparação.
A Constituição da República trouxe em seu art. 37, caput, os princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, todos dotados de eficácia imediata a impor restrição ao nepotismo.
A proibição dessa prática odiosa tomou fôlego depois que o STF julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade (ADC) proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Pediu-se para declarar a constitucionalidade da Resolução nº 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que veda o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário.
A partir daí, a discussão foi alargada até culminar na edição pelo STF da Súmula Vinculante nº 13, publicada em 29 de agosto passado, que prescreveu violar a Constituição Federal a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas.
Ao criar o fundamento segundo o qual o parentesco só existe antes da data da eleição do parlamentar, a resolução do Senado usou princípios que só acudiu aos interessados pelo nepotismo.
Ora, ainda que a nomeação tenha se dado antes da eleição do parlamentar, a partir da publicação da súmula a resolução tornou-se ilegal, porque incompatível com ela. Preservá-la significa manter válida regra que se tornou inconciliável com o conteúdo trazido por uma nova norma que tratou da matéria, em afronta aos mais simples princípios do Direito.
Não se trata sequer de invocar a tese do direito adquirido - princípio de natureza constitucional - porque, em relação aos cargos públicos, temos apenas uma expectativa ao direito, e não o direito subjetivo de nos manter neles. Imaginar o contrário seria atribuir à lei o caráter imutável, o que não é razoável.
Até o nepotismo cruzado, que ocorre quando um parente de político é contratado por outro, a pedido do primeiro - e vice-versa -, também foi vedado pela súmula.
O Senado, pelo sagrado dever de fiscalizar os atos dos demais Poderes de Estado, deveria ter sido o primeiro a informar à sociedade que seus membros não possuíam parentes até o terceiro grau em cargos comissionados ou, se tinham, que foram providenciadas suas demissões.
Portanto, ao tempo em que se indaga onde está o bom exemplo para o fim do nepotismo, respondemos, dado o inafastável compromisso do Congresso Nacional em conferir efetivação às normas que ajudou a criar, que não está no Senado brasileiro.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
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sábado, 11 de outubro de 2008

A razoável duração do processo


Ao tratar da lentidão em que a ação penal é julgada, costuma-se pôr a culpa pela demora no Judiciário, sem preocupação sobre o número de réus ou do rito processual que a lei mandou adotar no caso concreto. Mas as novas regras introduzidas no Código de Processo Penal (CPP) pela Lei nº 11.719/2008 aceleraram a prestação jurisdicional.
Um desses dispositivos foi o art. 394 do CPP, que disciplinou o procedimento comum, a ser aplicado a todos os processos, salvo as disposições contrárias do CPP ou de lei especial. Referido procedimento se divide em três: o ordinário, aplicado quando a ação tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos; o sumário, para delitos em que a pena máxima seja inferior a quatro anos; e o sumaríssimo, se tiver por causa infrações de menor potencial ofensivo, na forma da lei.
Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou a queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, a receberá e determinará a citação do réu para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares, alegar toda a matéria referente à sua defesa, oferecer documentos, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas.
Já o art. 397 do CPP permitiu ao juiz, em nítida homenagem à doutrina, que após a resposta absolva sumariamente o réu. Basta identificar a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito); a existência de causa excludente da culpabilidade, salvo inimputabilidade (coação irresistível, obediência hierárquica, inexigibilidade de conduta diversa); a atipicidade do fato narrado porque não constituiu, de maneira evidente, um crime; e a extinção da punibilidade do agente.
Por sua vez, o parágrafo 1º, art. 400, do CPP dispôs que as provas serão produzidas numa só audiência, que será realizada no prazo máximo de 60 dias (CPP, art. 400, caput) e deu ao juiz o poder (na verdade reforça) de indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
Em tal audiência, após tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, colhem-se esclarecimentos dos peritos e se faz o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, ao fim, o acusado.
Outra modificação importante: a que ratificou por meio do art. 402 do CPP a jurisprudência dominante dos tribunais superiores, ao afirmar que as partes poderão requerer diligências, cuja necessidade se origine apenas de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.
Não menos apreço tem a regra do art. 403 do CPP: as alegações finais, que antes eram somente escritas, agora são orais e ofertadas na referida audiência pelo prazo de 20 minutos para cada, prorrogáveis por mais dez minutos. Se o juiz constatar que a matéria é complexa, poderá determinar a apresentação de memoriais em cinco dias.
As ações penais em que já se tenha começado a produção de prova testemunhal devem prosseguir, até a sentença, com o rito estabelecido na lei anterior (art. 6º, Decreto-Lei nº 3.931/41). O procedimento novo se aplica, caso não iniciada aquela prova. Todavia, a fim de não ofender o princípio do contraditório será razoável oportunizar ao réu, que já foi interrogado, a possibilidade de se manifestar outra vez nos moldes previstos na audiência de instrução de julgamento.
Cabe fazer um alerta aos operadores do Direito e principalmente ao legislador federal: a velocidade dada para a primeira instância, que enfim se amoldou aos princípios da razoável duração do processo e da celeridade (art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal), poderá ocasionar o represamento do julgamento das ações penais nos tribunais, porque não foram suprimidos recursos desnecessários ou encurtados os seus ritos.


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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 4 de outubro de 2008

Mudar para vencer!


A Constituição Federal completará 20 anos no próximo domingo, dia das eleições municipais. Para homenagear esses eventos, transcrevemos parte do discurso feito em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da citada Carta, pelo então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães. As omissões são nossas, e as transcrições copiadas da Agência do Senado.
"Dois de fevereiro de 1987: "Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar. Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou.
A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.
Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.
A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.
A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.
Assinalarei algumas marcas da Constituição que passará a comandar esta grande Nação. A primeira é a coragem. A coragem é a matéria-prima da civilização. Sem ela, o dever e as instituições perecem. Sem a coragem, as demais virtudes sucumbem na hora do perigo. Sem ela, não haveria a cruz, nem os evangelhos.
A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.
Tipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem. Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção.
Tem substância popular e cristã o título que a consagra: "a Constituição cidadã".
O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos Parlamentos contemporâneos. É axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só. O governo associativo e gregário é mais apto do que o solitário. Eis outro imperativo de governabilidade: a co-participação e a co-responsabilidade. Nós, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos de honrá-los. A Nação repudia a preguiça, a negligência, a inépcia.
O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento.
A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do presidente da República ao prefeito, do senador ao vereador. A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.
Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.
Pela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, através do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos Municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização. A exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a reger a Nação permite conceituá-la, sinoticamente, como a Constituição coragem, a Constituição cidadã, a Constituição federativa, a Constituição representativa e participativa, a Constituição do Governo síntese Executivo-Legislativo, a Constituição fiscalizadora.
Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada. Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.
Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembléia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.
A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador.
Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: - Mudar para vencer! Muda, Brasil!"

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 27 de setembro de 2008

Pelo voto facultativo



Em entrevista concedida em 20 de setembro pela internet (Globo.com), o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, respondendo indagação acerca do motivo pelo qual no Brasil o voto ainda é obrigatório, disse: "Se o voto fosse espontâneo, voluntário, os candidatos e os eleitores compareceriam às urnas com muito mais entusiasmo, com muito mais envolvimento pessoal. Acho que caminhamos para isso, porque o futuro é o voto facultativo."
Concordamos em gênero, número e grau com o ministro. Por meio de artigo publicado neste jornal em 19 de abril deste ano, sustentamos que o fim da obrigatoriedade do voto representaria para o Brasil a criação de um novo direito político.
Direitos políticos são as prerrogativas de que se investem os cidadãos para exercer a liberdade de participar dos negócios políticos do Estado. O artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal (CF), diz que é a permissão dada para intervir, direta ou indiretamente, no governo de nosso País.
Apesar da existência de outros direitos políticos, como a consulta popular (o referendo e o plebiscito) e a iniciativa popular (elaboração de proposta legislativa feita diretamente pela população), vamos nos ater ao sufrágio universal, exercido através do voto direto e secreto com valor igual para todos (art. 14, caput, CF/88).
O sufrágio se expressa pela capacidade de o cidadão eleger e ser eleito, o que conhecemos pela capacidade eleitoral ativa (direito de votar) e passiva (direito de ser votado). Já o voto é o instrumento por intermédio do qual o exercemos. Logo, os direitos políticos compreendem o direito ao sufrágio universal que, de sua vez, engloba o direito ao voto.
A regra atual é pela obrigatoriedade do comparecimento para votar, o que consiste em impor ao cidadão que vá às urnas no dia das eleições, sob pena de receber sanções, caso não justifique sua ausência. Os maiores de 70 anos e os menores de 18 e maiores de 16 anos formam exceção à regra, porque o voto lhe é facultativo.
Precisamos de uma reforma política que deixe ao eleitor a escolha sobre se quer ou não votar, criando assim novo direito político ou, se preferirmos, nova forma para o exercício da cidadania.
Somos da opinião segundo a qual um povo tem o direito de rever e reformar suas leis, sob pena de eternizar regras, eis que o passado não pode indefinidamente governar o futuro, pois congelaria a vontade humana.
A obrigatoriedade do voto parece ter sido criada para assegurar ampla legitimidade aos governos, dando-se importância para a quantidade. Porém, ao voto devemos agregar valores (qualidades) que não são encontrados na citada obrigação.
É certo que o fim da obrigação de votar não resolverá os problemas que afetam as questões políticas brasileiras, notadamente porque há que se considerar a formação moral dos indivíduos na frente de qualquer aspecto de compulsoriedade.
Por outro modo, há tempos votamos em políticos que empenham suas consciências sem qualquer respeito ao fiador, mas a história mostra que a obrigatoriedade do voto não contribuiu para amenizar esse quadro.
Portanto, percebe-se que o problema não reside no eleitor, mas no eleito, cujas qualidades não são suficientes para fazê-lo entender o caráter sagrado das funções públicas que desempenha.
Se todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por que não construir um novo direito e criar o voto facultativo?

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 20 de setembro de 2008

Fim da prisão temporária



O jornal "Correio Braziliense" divulgou, em seu site na internet, que o diretor-executivo da Polícia Federal (PF), delegado Romero Menezes, foi solto na madrugada de quarta-feira(17), conforme informações repassadas pela assessoria de Imprensa daquele órgão.
O Tribunal Regional Federal da 1º Região, com sede em Brasília, revogou a prisão do delegado acusado de vazar informações da operação Toque de Midas e também de favorecer uma empresa do irmão.
No âmbito federal, não é incomum a prisão de autoridades acusadas de crimes praticados contra a Administração Pública. Mas a sociedade questiona a razão pela qual tais personagens são presas e logo depois soltas.
A resposta seria simples se não tivéssemos que analisar vários fatores, entre os quais o da qualidade das investigações no meio policial e o das denúncias formuladas pelo Ministério Público, além da demora do trâmite das ações penais sob responsabilidade da Justiça.
Por isso, vamos nos ater apenas a questão que parece encerrar a resposta de parte da indagação popular: a prisão temporária.
A Constituição da República assegura-nos a liberdade e consagra que somos inocentes até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.
No direito brasileiro, há distinção entre a prisão penal e a prisão processual. A primeira, que tem finalidade repressiva, é a que se dá após o trânsito em julgado da sentença condenatória em que se impõe pena privativa de liberdade. A segunda, chamada de provisória ou cautelar, inclui as prisões decorrentes de flagrante, as preventivas, as resultantes de pronúncia ou de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado e, por fim, a prisão temporária.
Referida custódia foi criada pela Medida Provisória nº 111, de 24.11.89, e depois convertida na Lei nº 7.960, de 21/12/89. É medida acautelatória por tempo determinado e destinada a possibilitar investigações de crimes graves no curso do inquérito policial. É autorizada pelo juiz a pedido da polícia ou do Ministério Público. O prazo máximo de prisão é de cinco dias, quando se tratar de crime comum, e 30 dias para os delitos hediondos. Pode ser renovada por iguais períodos, caso necessário.
Nas operações policiais noticiadas pela mídia, geralmente são deferidos pedidos relacionados à prisão temporária, que, como vimos, tem caráter precário porque não é definitiva.
Sua decretação só é feita quando demonstrado que, sem a prisão, será impossível que se leve a bom termo as investigações. Daí a importância dos juízes conferirem, rigorosamente, se a polícia ou o Ministério Público fizeram prova dos fatos alegados.
Em artigo de nossa autoria sobre a prisão do banqueiro Daniel Dantas, publicado neste jornal em 11.07.2008, aduzimos que a prisão temporária contra ele decretada era desnecessária, porque parecia ter sido usada de modo repressivo, sem observar seus requisitos. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a revogou em curto período de tempo por não vislumbrar a presença dos elementos para o seu deferimento e sua conseqüente manutenção.
Na época, dissemos que o sistema de liberdades individuais brasileiro não deveria permitir esse tipo de prisão. Afirmamos que, no lugar de privilegiar-se a natureza processual e a prazos fixos, era preciso dar atenção às questões relacionadas ao mérito dos fatos deduzidos em juízo pela polícia ou pelo Ministério Público. Posicionamo-nos que deveria existir apenas as custódias decorrentes do flagrante, da preventiva e das referentes ao cumprimento de sentença penal condenatória com trânsito em julgado.
Apesar das críticas que recebemos, continuamos com o mesmo entendimento. Vale registrar uma, feita por leitor anônimo, que recomendou a nossa "prisão para reflexão" somente porque teríamos errado o prazo em que o ministro Gilmar revogou a custódia do banqueiro.
Igualmente ao ministro, o juiz do TRF da 1ª Região não vacilou e acertadamente foi rápido, quando provocado, para determinar a soltura do diretor da PF, inclusive em tempo menor do que Dantas teria sido solto. Segundo o site Globo.com, a prisão do delegado se deu às 10h do dia 16 e ele foi solto na madrugada do dia 17.
Desde que haja a percepção de que a custódia não seja necessária, a autoridade judicial não pode hesitar um instante sequer e deve mandar soltar imediatamente o preso, sob pena incorrer em abuso.
Independentemente dos crimes imputados a alguém, é preciso rever a prisão temporária para, quem sabe, fazê-la desaparecer do sistema jurídico brasileiro.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
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sábado, 13 de setembro de 2008

Colarinho branco



A norma que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (SFN) é apelidada de lei do colarinho branco, porque os autores das suas condutas proibidas são, de modo geral, controladores, administradores, diretores ou gerentes de instituições financeiras.
Para efeitos da referida lei, considera-se instituição financeira a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, a emissão, a distribuição, a negociação, a intermediação ou administração de valores mobiliários.
Equipara-se à instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização, poupança ou recursos de terceiros. A pessoa física também a ela se compara. Basta exercer, ainda que de forma eventual, quaisquer das atividades retrocitadas.
São penalmente responsáveis o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes, equiparando-se a eles o liquidante e o síndico. Porém, não basta apenas o fato de o acusado ocupar cargo de direção para responder pelas imputações de crime contra o SFN. Faz-se necessário que haja alguma participação na conduta criminosa, caso contrário reconheceríamos a existência da responsabilidade objetiva, teoria repudiada pelo direito penal brasileiro. Lembre-se que o juízo de culpabilidade em matéria penal deve recair, sempre, sobre o autor do fato punível, o que torna inadmissível sancionar alguém só porque detém o cargo máximo da instituição.
A cobrança de juros extorsivos, quando o autor não for instituição financeira ou pessoa jurídica ou física a ela equiparada, não se enquadra entre os delitos contra o sistema financeiro nacional, mas de crime contra a economia popular.
A venda de uso de linha telefônica, mediante financiamento, para entrega ao fim do pagamento, não se afigura como atividade típica de entidade financeira, nem ao menos por equiparação, razão por que o vendedor, caso não disponha ao comprador os direitos de uso, não responderá por crime contra referido sistema. Sua conduta, sob o ponto de vista da fraude, é tipificada como estelionato.
Também a pessoa que se apropria de dinheiro de um fundo financeiro formado para a construção de imóveis, não responde por delito contra o citado sistema, apesar de sua conduta configurar crime.
A compra e venda de cotas de consórcio de veículos não é uma operação financeira, no que o descumprimento da entrega do carro como prometido em anúncio não afeta o SFN.
A competência para julgar as condutas delituosas será da Justiça Comum Federal quando os crimes forem cometidos contra bens ou serviços da União, de suas autarquias ou de suas empresas públicas.
Entretanto, há quem sustente que "mesmo que os crimes cometidos por empresas administradoras de consórcio contra o Sistema Financeiro Nacional não firam os interesses da União, a competência para o julgamento desses delitos, nos termos do art. 26 da Lei nº 7.492/86 e 109, VI da Constituição Federal, é da Justiça Federal, pois tais empresas, conforme dispõe o art. 1º, parágrafo único, I, da referida lei, estão equiparadas às instituições financeiras" (TRF-4ª Região, HC 97.04.60.884-5).
Acreditamos que a competência será da Justiça Federal sempre que houver comprovação da lesão a bens ou a serviços da União, de suas autarquias ou empresas públicas, conforme frisado acima, ou se demonstrado, logo na denúncia, que o fato descrito na lei do colarinho branco atingiu sobremaneira a higidez, a segurança ou a credibilidade do SFN.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
robertojr@orm.com.br

sábado, 6 de setembro de 2008

Segurança nos municípios (II)


ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR

Não é nova a idéia de que a segurança pública deva ser atribuição municipal.
Em 25 de janeiro de 2008, publicamos artigo neste jornal sobre a possibilidade de o município responsabilizar-se pela segurança pública.
Na época, a prefeitura tinha que cumprir uma ordem da Justiça, que determinava a desocupação do passeio público pelos camelôs na avenida Presidente Vargas. Além do recurso para revogá-la, o município, devido à ausência de recursos humanos (força policial), requereu auxílio da Polícia Federal para a cumprir a ordem.
O aspecto desse pedido revelou uma das mazelas do atual sistema político brasileiro: a má distribuição pela Constituição Federal (CF) das competências administrativas e tributárias. Hoje, atribui-se à União e aos Estados-membros a maior fatia das receitas e destina-se aos municípios recursos insuficientes para a solução dos seus problemas.
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida por meio dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. Os três primeiros são custeados pela União e os demais pelos Estados.
A CF assegurou aos municípios, no capítulo referente à segurança pública, a possibilidade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.
Porém, quando ocorrem situações semelhantes à dos camelôs, em que há necessidade de considerável efetivo policial para fazer valer o código de posturas ou cumprir decisões judiciais, não resta ao município alternativa senão a de pedir auxílio à Polícia Militar, responsável, segundo determinação constitucional, pela preservação da ordem pública. Percebe-se então, a dificuldade em obter tal assistência, ainda mais quando governador e prefeito são adversários políticos.
Insistimos na idéia - publicada no artigo de 25 de janeiro - de que a preservação da ordem pública deve ser atribuição municipal, já que nas cidades ela é mais exigida. Desta forma, afastaríamos em parte a competência dos Estados-membros, que ficariam obrigados a atuar só nas localidades que não fossem sede de municípios.
Em função disso, haveria a necessidade de alterar a atual repartição constitucional das receitas tributárias de modo a favorecer os municípios, que hoje recebem pequena parcela do produto da arrecadação dos impostos da União (IR e ITR) e dos estados (IPVA e ICMS). Também indispensável modificar as competências legislativas e administrativas relacionadas à segurança pública postas na CF, hoje pertencentes aos estados-membros.
As críticas ao modelo serão inevitáveis, porque no Brasil cultiva-se o hábito de criar dificuldades para vender facilidades, além do velho projeto político do quanto pior, melhor.
A escalada da violência demonstra que as atuais competências constitucionais referentes à segurança pública, que mantém a preservação da ordem pública e a apuração das infrações penais aos estados (polícias militar e civil, respectivamente), representam perpetuar erro que pode e deve ser corrigido por meio de uma cobrança social mais efetiva.
Apesar das obrigações constitucionais, indagamos: será que os governos estaduais estão dispostos a autorizar suas polícias a atuar nas importantes questões do município, quando o cargo de prefeito estiver ocupado por alguém que não seja do seu partido ou aliado político?

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

sábado, 30 de agosto de 2008

A quem serve o poder estatal?



A Declaração Universal dos Direitos do Homem é um documento que contém o ideal político almejado pelos povos e pelas Nações, mas por se submeter à vontade humana em muitas ocasiões não é respeitado.
Vejamos o exemplo do seu artigo 21, que encerra três regras: todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de seus representantes livremente escolhidos; todos têm o direito de acesso aos serviços públicos de seu país; e a vontade do povo será a base da autoridade do governo.
Será que o Brasil cumpre essas determinações?
A Constituição da República brasileira assevera no seu artigo 1º, parágrafo único, que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
A doutrina entende que referido comando constitucional trata de um direito político, notadamente o do sufrágio universal, que é o direito do cidadão eleger (votar) e ser eleito (ser votado). Embora não tenha sido sempre dessa maneira (regime militar de 64/79), parece-nos que o País aprendeu a lição de casa ao permitir o cidadão escolher livremente seus representantes políticos. Atendida, assim, a primeira determinação.
Por outro lado, e apesar da existência de boas leis, estamos distante de cumprir o artigo 21 da citada declaração, especialmente quando se trata do acesso aos serviços públicos. Em face da notoriedade do fato, não há muito a comentar, cumprindo-nos apenas lembrar que é histórica a má prestação dos referidos serviços no Brasil.
Já quando se trata do ato de participar da organização e da atividade do poder estatal a coisa não fica diferente. É, inclusive, questão mais complicada. A Constituição diz que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Nesse caminho, cabe-nos somente eleger alguém que nos representará no parlamento ou no Executivo. Logo, são esses que detêm o poder estatal.
Dada a quantidade dos conflitos criados pela sociedade, é certo que tal poder precisa impor regras para manter-se. Ocorre que, ultimamente, e malgrado os espasmos de desenvolvimento econômico, há expressivo desrespeito com a coisa pública.
É de impressionar o desacatamento de muitos agentes políticos com seus deveres. Abusam de prerrogativas, usam mal o dinheiro público, prevalecem-se dos cargos para enriquecer ilicitamente, desafiam a capacidade do Estado em coibir as práticas ilegais que cometem e suas atitudes criminosas fizeram a população brasileira acreditar que honestidade é coisa de otário. Praticam, enfim, todas as modalidades de excessos sem o mínimo incômodo, porque sabem que o atual modelo político os situa como intocáveis.
São para eles, pois, que serve o poder estatal e, por isso, geralmente escolhem seus apaniguados para cargos, empregos e funções públicas, tudo em detrimento, por exemplo, do concurso público, instituto essencialmente importante para minimizar a farra que se instalou. Registre-se que as circunstâncias não datam de agora.
Somos da opinião segundo a qual é preciso haver um basta nesse estado de coisas. Recorde-se que, atualmente, nosso poder se restringe a eleger quem assumirá o poder, e depois, ficamos enfraquecidos. Portanto, repensar em um novo sistema de distribuição política de dar, receber e fiscalizar o poder estatal, com a finalidade de restabelecer o povo, ou seja, o dono da propriedade no seu verdadeiro lugar, talvez seja a tarefa dos homens de bem nos próximos anos. Afinal, conforme escrito explicitamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição da República Federativa do Brasil, a vontade do povo será a base da autoridade do governo.

Roberto da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br

sábado, 23 de agosto de 2008

O juiz é o guardião



Na busca da verdade para elucidar o crime, o Estado não pode ofender a dignidade humana.
Nesse sentido, o juiz parece ter sido eleito pela mais alta corte brasileira para ser o guardião dos indivíduos que se põem a enfrentar o exercício do poder penal do Estado, especialmente porque somos, todos, presumidamente inocentes.
Não foi para menos que o Supremo Tribunal Federal (STF) editou recentemente uma súmula vinculante com o seguinte conteúdo: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
A discussão veio à tona depois que chegou ao STF o Habeas Corpus nº 91952, em que o pedreiro Antônio Sérgio da Silva foi condenado pelo Tribunal do Júri da cidade de Laranjal Paulista (SP). Ele foi mantido algemado durante todo o seu julgamento sem que a juíza-presidente apresentasse uma justificativa convincente para o caso. Esse fato teria incutido potencialmente nos jurados a qualidade de culpado.
A súmula firma jurisprudência do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto, notadamente o inciso III do artigo 1º da Constituição Federal e de vários outros do seu artigo 5º, que dispõem sobre a dignidade humana e seus direitos fundamentais. Homenageia ainda os artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, que tratam do uso restrito da força quando da prisão de uma pessoa, bem como o artigo 474 do mesmo código, alterado pela Lei 11.689/08, que dispõe em seu parágrafo 3º que não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Por interferência do ministro Marco Aurélio, relator do mencionado habeas corpus, na versão definitiva da súmula foi incluída a punição pelo uso abusivo de algemas e também a necessidade de que a autoridade justifique, por escrito, seu uso. Isso porque não adiante proibir condutas sem cominar pena.
A título de informação, a súmula vinculante foi criada pela Emenda Constitucional 45/04 e tem o objetivo de pacificar questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário. Após sua aprovação, por no mínimo oito ministros e publicação no Diário de Justiça, permite-se que agentes públicos do poder Judiciário e do Executivo passem a adotá-la.
O Legislativo, que há muito deveria ter tratado da matéria, parece que vai desengavetar um projeto que regulamenta o uso de algemas. Porém, enquanto não se materializa em lei, a súmula do STF fica com a palavra. Aliás, tal corte a terá sempre porque é dela o controle da constitucionalidade das normas.
A decisão do STF revela, na verdade, o controle de um poder de Estado sobre o outro e define exatamente o campo de atuação, a partir de agora, dos magistrados da área penal.
Se você é juiz ou pretende se habilitar ao cargo, lembre-se: a presença de postura ideológica, de equilíbrio, de independência e de coragem encontram-se entre as qualidades necessárias para torná-lo um afiançador das liberdades públicas, e não simples instrumento nas mãos do Estado para servir seus órgãos de persecução penal (Polícia e Ministério Público).

Roberto Duarte da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br

sábado, 16 de agosto de 2008

Limite do poder do juiz



Para evitar a intromissão indevida e assegurar a independência e a harmonia entre os Poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), criou-se na Constituição da República um sistema de freios e contrapesos, a exemplo da norma prevista no seu art. 5º, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).
Costuma-se indagar se em relação à administração pública o poder do juiz encontra limites. Para a resposta, é necessário distinguir atos discricionários de atos vinculados.
Os poderes exercidos pelo administrador público são determinados pelo sistema jurídico. Ele não pode ultrapassar os limites que a lei traçou à sua atividade, sob pena de ilegalidade. E por essa razão, é certo dizer que o agente público só pode fazer o que a lei lhe permite.
Nesse contexto, há casos em que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou margem para a sua atuação. Para exemplificar: o cumprimento do código de posturas de uma cidade pelo gestor municipal; e o lançamento de ofício (imputação de pagamento) de certo tributo em desfavor do contribuinte pelo servidor que tenha essa competência junto ao órgão fiscal. Seus atos, comissivos ou não, sujeitam-se à correção judicial. Uma particularidade do poder vinculado, a lei não dá segunda opção ao administrador.
O mesmo não ocorre com o poder discricionário. O administrador público tem, diante de um caso concreto, a possibilidade de escolher uma entre duas ou mais soluções. É a aplicação dos critérios de conveniência e oportunidade. Dois exemplos, entre muitos: abertura de ruas e remoção, de ofício, de servidor público (esta última se prevista em lei, é claro).
A discricionariedade corresponde, pois, a uma escolha entre o fazer e o não fazer. Se há possibilidade de optar entre o atuar ou não, então ela existe. Nessas hipóteses, os atos do administrador não ficam sujeitos à correção judicial. Apenas os aspectos da legalidade do ato e a verificação se o administrador não ultrapassou os limites da discricionariedade é que são de livre apreciação pelo juiz. Poderá invalidar o ato, porque a autoridade excedeu o limite deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade.
Inúmeros são os julgados no Supremo Tribunal Federal (STF) a dizer que é vedado ao juiz controlar atos discricionários (AI-AgR 630997/MG; RE-AgR 478136/MG; e RMS 23543/DF).
Portanto, o juiz encontra óbice para atuar quando a lei der ao administrador público a possibilidade de decidir a respeito do mérito do ato administrativo.
Há, contudo, exceção verificada pelo STF. Se a administração pública revogar ato por motivo de conveniência ou oportunidade sem respeitar direitos adquiridos, o juiz terá espaço para o controle, segundo o verbete da Súmula 473 do STF (AgR no RE nº 342593/SP).
Registre-se que parte da doutrina e da jurisprudência admite investigar o âmbito discricionário, dado o grau de subjetivismo que algumas situações comportam. Serve-se da razoabilidade para medir se a valoração feita está em harmonia com a lei e com os princípios adotados pelo sistema jurídico.
Em resumo, não será totalmente livre a apreciação pelo Judiciário do ato discricionário. O controle poderá ser realizado apenas se houver ofensa a direitos adquiridos ou à razoabilidade. Ao limitar a atuação do juiz, o sistema jurídico-constitucional brasileiro prestou grande obséquio para a independência e a harmonia entre os Poderes de Estado.

Roberto da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br

domingo, 10 de agosto de 2008

Corrupção passiva



Nosso ordenamento jurídico consagra o princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Portanto, um comportamento humano só será considerado crime quando inserido em algum dispositivo de lei. É o chamado tipo penal ou modelo de conduta proibida.
Embora o conhecimento da norma escrita seja presumido, porque ninguém se isenta de cumprir a lei ao argumento de que não a conhece, não é demais recordar certos dispositivos para evitar que se incorra em alguma infração penal.
O Código Penal contempla a corrupção passiva, como conduta de quem solicita ou recebe - para si ou outro, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela - vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem. O sujeito ativo desse crime é o funcionário público e o Estado é o agente passivo. A punição vai de dois a doze anos além de multa.
Sua tutela jurídica visa proteger a Administração Pública, especialmente no aspecto da moralidade. São três os núcleos verbais da infração: solicitar (pedir), receber e aceitar promessa (concordar com a proposta), para si ou outro, de vantagem indevida. É imprescindível que seja sempre em razão do cargo, emprego ou função pública do sujeito ativo.
É formal porque independe do resultado naturalístico consistente no prejuízo causado à Administração Pública. Na modalidade solicitar é crime que se consuma com a simples solicitação da vantagem indevida. Nas formas receber ou aceitar sempre haverá a prática, por outra pessoa, do crime de corrupção ativa.
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), para configurar a corrupção passiva deve ser indicado ato de ofício do funcionário, configurador de transação ou comércio com o cargo então por ele exercido. Deve-se descrever o nexo causal entre a vantagem recebida ou aceita e a prática ou omissão de fato inerente à função pública do agente, pois do contrário não haverá justa causa para o início da ação penal.
Há figura qualificada (a pena aumenta em um terço) se em decorrência da vantagem ou da promessa o funcionário efetivamente atrasa (retarda) ato de ofício, deixa de praticá-lo (se omite) ou o pratica infringindo dever funcional.
Se para a corrupção o funcionário cedeu a pedido ou influência de outro funcionário a pena será menor: detenção de três meses a um ano e multa.
Quando no lugar de solicitar o funcionário exige, trata-se de outro crime, a concussão, que tem sanção menor do que a corrupção.
Se foi praticada antes do advento da Lei nº 10.763, de 12/11/03, a pena a ser aplicada varia entre um a oito anos, e multa, dado o princípio da irretroatividade da lei penal maléfica. Nesse caso, em razão da pena mínima de um ano, o agente tem direito à suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95.
Comete corrupção passiva aquele que, exercendo função em empresa concessionária de serviço público, pede de seus fornecedores favores para o pagamento dos créditos devidos. Também o recebimento de dinheiro pelo funcionário a título de gratificação constitui referido delito.
Em todos os casos, só haverá crime se presente o dolo na conduta do agente, ou seja, a vontade livre, consciente e dirigida para o fim de solicitar, receber ou aceitar a promessa de vantagem indevida para si ou outro. Na dúvida, consulte sua consciência.

Roberto da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br