sábado, 16 de agosto de 2008

Limite do poder do juiz



Para evitar a intromissão indevida e assegurar a independência e a harmonia entre os Poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), criou-se na Constituição da República um sistema de freios e contrapesos, a exemplo da norma prevista no seu art. 5º, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).
Costuma-se indagar se em relação à administração pública o poder do juiz encontra limites. Para a resposta, é necessário distinguir atos discricionários de atos vinculados.
Os poderes exercidos pelo administrador público são determinados pelo sistema jurídico. Ele não pode ultrapassar os limites que a lei traçou à sua atividade, sob pena de ilegalidade. E por essa razão, é certo dizer que o agente público só pode fazer o que a lei lhe permite.
Nesse contexto, há casos em que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou margem para a sua atuação. Para exemplificar: o cumprimento do código de posturas de uma cidade pelo gestor municipal; e o lançamento de ofício (imputação de pagamento) de certo tributo em desfavor do contribuinte pelo servidor que tenha essa competência junto ao órgão fiscal. Seus atos, comissivos ou não, sujeitam-se à correção judicial. Uma particularidade do poder vinculado, a lei não dá segunda opção ao administrador.
O mesmo não ocorre com o poder discricionário. O administrador público tem, diante de um caso concreto, a possibilidade de escolher uma entre duas ou mais soluções. É a aplicação dos critérios de conveniência e oportunidade. Dois exemplos, entre muitos: abertura de ruas e remoção, de ofício, de servidor público (esta última se prevista em lei, é claro).
A discricionariedade corresponde, pois, a uma escolha entre o fazer e o não fazer. Se há possibilidade de optar entre o atuar ou não, então ela existe. Nessas hipóteses, os atos do administrador não ficam sujeitos à correção judicial. Apenas os aspectos da legalidade do ato e a verificação se o administrador não ultrapassou os limites da discricionariedade é que são de livre apreciação pelo juiz. Poderá invalidar o ato, porque a autoridade excedeu o limite deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade.
Inúmeros são os julgados no Supremo Tribunal Federal (STF) a dizer que é vedado ao juiz controlar atos discricionários (AI-AgR 630997/MG; RE-AgR 478136/MG; e RMS 23543/DF).
Portanto, o juiz encontra óbice para atuar quando a lei der ao administrador público a possibilidade de decidir a respeito do mérito do ato administrativo.
Há, contudo, exceção verificada pelo STF. Se a administração pública revogar ato por motivo de conveniência ou oportunidade sem respeitar direitos adquiridos, o juiz terá espaço para o controle, segundo o verbete da Súmula 473 do STF (AgR no RE nº 342593/SP).
Registre-se que parte da doutrina e da jurisprudência admite investigar o âmbito discricionário, dado o grau de subjetivismo que algumas situações comportam. Serve-se da razoabilidade para medir se a valoração feita está em harmonia com a lei e com os princípios adotados pelo sistema jurídico.
Em resumo, não será totalmente livre a apreciação pelo Judiciário do ato discricionário. O controle poderá ser realizado apenas se houver ofensa a direitos adquiridos ou à razoabilidade. Ao limitar a atuação do juiz, o sistema jurídico-constitucional brasileiro prestou grande obséquio para a independência e a harmonia entre os Poderes de Estado.

Roberto da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br

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