Na busca da verdade para elucidar o crime, o Estado não pode ofender a dignidade humana.
Nesse sentido, o juiz parece ter sido eleito pela mais alta corte brasileira para ser o guardião dos indivíduos que se põem a enfrentar o exercício do poder penal do Estado, especialmente porque somos, todos, presumidamente inocentes.
Não foi para menos que o Supremo Tribunal Federal (STF) editou recentemente uma súmula vinculante com o seguinte conteúdo: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
A discussão veio à tona depois que chegou ao STF o Habeas Corpus nº 91952, em que o pedreiro Antônio Sérgio da Silva foi condenado pelo Tribunal do Júri da cidade de Laranjal Paulista (SP). Ele foi mantido algemado durante todo o seu julgamento sem que a juíza-presidente apresentasse uma justificativa convincente para o caso. Esse fato teria incutido potencialmente nos jurados a qualidade de culpado.
A súmula firma jurisprudência do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto, notadamente o inciso III do artigo 1º da Constituição Federal e de vários outros do seu artigo 5º, que dispõem sobre a dignidade humana e seus direitos fundamentais. Homenageia ainda os artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, que tratam do uso restrito da força quando da prisão de uma pessoa, bem como o artigo 474 do mesmo código, alterado pela Lei 11.689/08, que dispõe em seu parágrafo 3º que não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Por interferência do ministro Marco Aurélio, relator do mencionado habeas corpus, na versão definitiva da súmula foi incluída a punição pelo uso abusivo de algemas e também a necessidade de que a autoridade justifique, por escrito, seu uso. Isso porque não adiante proibir condutas sem cominar pena.
A título de informação, a súmula vinculante foi criada pela Emenda Constitucional 45/04 e tem o objetivo de pacificar questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário. Após sua aprovação, por no mínimo oito ministros e publicação no Diário de Justiça, permite-se que agentes públicos do poder Judiciário e do Executivo passem a adotá-la.
O Legislativo, que há muito deveria ter tratado da matéria, parece que vai desengavetar um projeto que regulamenta o uso de algemas. Porém, enquanto não se materializa em lei, a súmula do STF fica com a palavra. Aliás, tal corte a terá sempre porque é dela o controle da constitucionalidade das normas.
A decisão do STF revela, na verdade, o controle de um poder de Estado sobre o outro e define exatamente o campo de atuação, a partir de agora, dos magistrados da área penal.
Se você é juiz ou pretende se habilitar ao cargo, lembre-se: a presença de postura ideológica, de equilíbrio, de independência e de coragem encontram-se entre as qualidades necessárias para torná-lo um afiançador das liberdades públicas, e não simples instrumento nas mãos do Estado para servir seus órgãos de persecução penal (Polícia e Ministério Público).
Roberto Duarte da Paixão Júnior é bacharel em Direito
imcpaixao@superig.com.br
3 comentários:
A pergunta que não quer calar é porque essa Súmula só foi editada após a prisão do DD, pessoa de reputação ilibada até que se prove ao contrário, e o outro porque é justamente como o nome diz Súmula Vinculante, tem que estar vinculada a um amplo debate sobre o assunto pelo "baixo" clero(juízes dos tribunais regionais e estaduais) o que não houve. Portanto, o tema não foi amplamente discutido e muito menos exaurido. Coisas da nova administração do STF.
Wantuir,
É muito provável que muita coisa ainda venha a mudar em relação a esse assunto, uma vez aprovado projeto em tramitação no Congresso.
Até lá, claro, vigora a súmula do Supremo.
Abs.
Caro Alan,
Obrigado pelo comentário.
Parece que, no Brasil, as coisa são mesmo desse jeito. Lembre-se do caso Damiela Perez e a lei que em seguida ao crime foi feita pelo Congresso.
Quanto ao caso Daniel Dantas, ainda bem que serviu para edição da súmula, mas não esqueça que ele também foi algemado.
A propósito, a jurisprudência do STF, em sede de recursos extraordinários (Mins. Carmem Lúcia, Cézar Peluso e Eros Grau), já tratava da matéria. Ocorre que o judiciário só atua se provocado e quantas pessoas que foram algemadas injustamente procuraram referido poder para reparar o abuso? Poucos, com certeza, até porque a enorme maioria não tem recursos para contratar um bom advogado.
Tenha certeza que na busca da verdade para elucidar o crime, o Estado não pode ofender a dignidade humana.
Abraços a você e ao Bemerguy.
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