Marcelo Arruda, o petista morto na própria festa de aniversário por um bolsonarista: ninguém esqueça que ele é a vítima. E vítima de um crime hediondo. |
Não é de hoje.
Todas as vezes em que me deparo com um crime hediondo - e crimes hediondos, vocês sabem, acontecem todos os dias -, proponho-me recorrentemente algumas questões.
Por exemplo: se eu conseguisse dominar esse criminoso, logo após o crime, o que eu faria com ele? Eu o imobilizaria, faria com que se sentasse num sofá, oferecia-lhe água na quantidade que quisesse beber e diria para que ficasse aguardando a puliça chegar, ao som da Quinta Sinfonia de Beethoven? Ou então eu, simplesmente, iria até a cozinha, pegaria uma faca e cravaria 400 mil vezes na cara dele, até matá-lo?
Quando me proponho essas questões, também formulo uma ocorrência hipotética (mas antes sempre bato na madeira 300 vezes - toc, toc, toc, toc, toc...).
A ocorrência seria a seguinte: e se eu chegasse em casa e me deparasse com uma filha minha, com minha mulher, com minha mãe sendo molestada sexualmente por um selvagem e conseguisse dominar de alguma forma o bárbaro, o que eu faria com ele?
Devo confessar a vocês que, diante dessa questão, tenho sempre um certeza e uma dúvida: 1. A certeza: eu jamais lhe daria um copo d'água enquanto aguardasse a chegada da polícia e muito menos o deixaria ouvindo Beethoven; 2. A dúvida: já que não tenho arma, como pregam os bolsonaristas fanáticos, não sei se iria à cozinha da minha casa e pegaria uma faca para aplicar-lhe 400 mil facadas, mas certamente, no auge da minha indignação contra um crime hediondo, não hesitaria em fazer o criminoso sentir na pele, literalmente, alguma forma de dor física que eu mesmo julgasse compatível com a hediondez que ele cometeu.
O que você faria? - Então, você aí, se fosse filha, filho, primo, irmão ou amigo de Marcelo Arruda, o tesoureiro do PT que barbaramente, selvagemente, cruelmente, hediondamente foi morto a tiros por um fanático bolsonarista, o que você faria com o assassino, mesmo já imobilizado por cinco tiros da vítima, que ainda conseguiu reagir para evitar que o criminoso completasse o seu ato hediondo e matasse outras pessoas?
Estou propondo esse questionamento porque, ainda nem transcorridas as 48 horas do cometimento do crime hediondo que ceifou a vida do militante petista, vejo as redes sociais derramando lágrimas a rodo.
As lágrimas são vertidas por bolsonaristas compungidos porque o assassino hediondo, identificado como Jorge Guaranho, um bolsonarista maluco - que se anunciou na festa de aniversário do petista como bolsonarista, mas não como maluco -, aparece nas imagens caído, após ter levado cinco tiros, ao mesmo tempo em sua cabeça era alvo de pontapés e novos disparos à queima-roupa desferidos por alguém ligado a Marcelo, que àquela altura, segundo se acredita, já estava morto.
O que dizem os bolsonaristas e outros, nem tanto, que vão buscar no fundo de seus mais nobres repositórios morais forças suficientes para proclamar sua revolta contra o assassinato do petista e a forma, igualmente brutal, com que o assassino foi tratado logo após cometer o crime?
Os bolsonaristas, e outros nem tanto assim, lançam mão das velhas máximas tipo "nada justifica a violência", ou "violência não se paga com violência" ou ainda "um ato bárbaro não apaga outro ato bárbaro".
Pois é.
Hediondez atrai hediondez - Um assassino, caído e exaurido de forças, por ter levado cinco tiros, foi alvo de um ato bárbaro por também ter sido chutado na cabeça várias vezes e ter levado mais tiros?
Sim. Ele foi.
Guernica: Foi você quem fez? - perguntou um nazista a Picasso. "Não, você fez", respondeu o pintor. |
Sim. Ele foi.
Foi alvo de uma crueldade?
Sim. Ele foi.
Foi alvo de extravasamentos que nenhuma lei (escrita, vale dizer) acolhe?
Sim. Ele foi.
Tudo isso é verdade.
Mas também é verdade que o assassino selvagem foi vítima da própria selvageria que ele primeiramente provocou.
Também é verdade que o assassino cruel foi vítima da própria crueldade que ele anteriormente acabara de provocar.
Também é verdade que o assassino bárbaro foi vítima da própria bárbarie que ele anteriormente acabara de cometer.
Também é verdade que o assassino hediondo foi vítima de sua própria hediondez.
Hediondez se paga com hediondez?
Não. Eu, como busco todo dia a salvação eterna, digo que não.
Mas convém que você aí - sobressaltado e indignado porque um assassino hediondo foi alvo de uma hediondez logo em seguida ao crime hediondo que cometeu - não esqueça que ele, o assassino hediondo, foi vítima de sua própria hediondez.
"Você fez!" -Aliás, essa história me lembra uma outra.
No início dos anos 1940, em Paris, bateram às portas do estúdio de Pablo Picasso.
Eram militares alemães, que foram lá bisbilhotar sobre a vida e o trabalho do gênio catalão, que ousara demonstrar o morticínio perpetrado por franquistas, com a ajuda de nazistas, na cidade basca de Guernica, retratando o massacre na então já famosa tela Guernica.
À saída, Picasso ofereceu aos visitantes um cartão-postal de Guernica.
Um dos alemães perguntou ao pintor:
- Você fez isso?
E Picasso:
- Não, você fez!
Mais ou menos o que ocorre agora, com essa brutamontes bolsonarista.
Não é que os outros lhe fizeram uma hediondez.
Foi ele mesmo quem fez.
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