SERGIO BARRA
Fica cada vez mais difícil entender o jogo de cena do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O presidente americano faz política para endurecer sua política em todos os sentidos. Os conflitos no Oriente Médio foram os que mais recentemente se notabilizaram em termos bélicos e mais chamaram a atenção do mundo ultimamente. A ideia mais forte, é que o passado nunca volta. Sempre que se quer voltar ao velho, o novo tenta se impor. A democracia nos exige um exercício constante, é uma peça em vários atos com infinitos recuos e subtramas. No domingo, 20, Trump completou um ano à frente da presidência dos EUA. Seu primeiro aniversário no comando da Casa Branca foi celebrado sob um cenário político interno instável e permeado por críticas dentro e fora de seu país. As polêmicas nas quais ele se meteu em tão curto espaço de tempo deixaram inequívoca uma de suas principais características: Trump não apanha sem dar troco.
Como o mundo dá muitas voltas e a camuflagem do presidente Trump toma o caráter de servir a seus vários interesses, os EUA parecem conformados com a derrota dos rebeldes que eles patrocinaram contra o regime de Bashar al-Assad, mesmo depois de fechar os olhos ao fato de que estes primeiramente se aliaram à Al-Qaeda e depois se tornaram praticamente uma força auxiliar da rede terrorista outrora pintada como a arqui-inimiga do Ocidente - e também ao apoio dados por aliados como a Turquia e as monarquias do Golfo a essa organização e a outra ainda mais brutal, o Estado Islâmico. Mas ainda não desistiram de tentar moldar a região a seus interesses.
Aí, vem o troco de Trump. De mistura com remanescentes do EI que tentam criar novos redutos após a queda do "califado", os rebeldes "moderados" e a Al-Qaeda, hoje cada vez mais inseparáveis, estão agora sendo assediados e em retração em enclaves no sul e na última província por eles controlada, Idlib. A Turquia ainda apoia o "governo no exílio" da Coalizão Nacional Síria em Istambul e seu Exército da Síria Livre, mas Washington encontrou nos curdos do Rojava um novo aliado preferencial. Recentemente, o porta-voz da coalizão liderada pelos EUA, anunciou estar começando a preparar um exército de 30 mil homens para defender o território tomado pelas Forças Democráticas Sírias (SDF, em inglês), que representa cerca de 25% da Síria e inclui boa porção de seu gás, petróleo e geração hidrelétrica.
Ademais, o reforço duplicará com tropas árabes essa força que hoje é dominada pelos curdos, embora oficialmente lute pela Federação da Síria do Norte - extraoficialmente Rojava, "oeste" (do Curdistão) em curdo - como uma confederação de etnias, inclusive turcomenos, armênios, assírios e árabes. Esse desequilíbrio tornou-se potencialmente explosivo após o colapso do EI deixar em suas mãos um território habitado por uma maioria de árabes. O plano é que os curdos sirvam na fronteira do norte, contra a Turquia e os árabes na fronteira com o Iraque e no Vale do Eufrates, fronteira controlada pelo governo sírio.
Na verdade, a ideologia do Rojava baseia-se explicitamente na obra de Abdullah Öcalan, líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, pela sigla em curdo), capturado em 1999 no Quênia com ajuda da CIA e hoje cumprindo pena perpétua como único detento de uma prisão numa ilha turca. Por sua vez, os militantes curdos, revolucionários e anti-imperialistas que procuram implantar um socialismo cooperativista baseado em fazendas coletivas e conselhos operários, aceitam se tornar um virtual protetorado estadunidense no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, garantem que seu objetivo continua a ser a autonomia dentro de uma Síria federativa.
O atual governo americano adora paradoxo. A obsessão dos EUA com conter o Irã e manter Assad em xeque gerou uma aliança com uma revolução que cria cooperativas e sovietes e ameaça a Turquia, aliada tradicional de Washington, o aprofundamento dessa desavença aproxima Istambul cada vez mais da Rússia e do Irã.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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