A Justiça Federal estabeleceu, em liminar concedida nesta segunda-feira (27), o prazo de dois a quatro anos para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conclua a regularização de terras onde vivem 14 comunidades quilombolas (remanescentes de escravos) nos municípios de Salvaterra, Cachoeira do Arari e Curralinho, na região do Marajó (PA). Ainda cabe recurso ao Tribunal Região Federal da 1ª Região, em Brasília (DF).
Na decisão (veja aqui a íntegra), o juiz federal substituto da 5ª Vara, José Flávio Fonseca de Oliveira, considerou que o prazo de dois anos, requerido pelo Ministério Público Federal na ação civil pública que ajuizou, deverá ser obedecido pelo Incra apenas em dois dos 14 processos de regularização que já se encontram em fase mais adiantada, como aqueles que apresentam Relatório Técnico de Identificação e de Delimitação (RTID). Em relação aos outros casos, o magistrado considerou que quatro anos é “prazo suficiente para a tramitação das demais fases dos processos administrativos”.
Na ação proposta perante a 5ª Vara, o Ministério Público informou que existem 1.286 processos no Incra para a regularização fundiária de terras ocupadas por remanescentes de escravos, mas até agora teriam sido concluídos apenas 2,41% desses processos, o equivalente a 31 títulos de propriedade emitidos. Em relação aos 14 processos que envolvem quilombolas de Salvaterra, Cachoeira do Arari e Curralinho, o MPF sustentou que estão parados há pelo menos dez anos. A ausência de regularização fundiária das terras, acrescentou o Ministério Público, tem incentivado a atração de novos investidos à região, colocando-os sempre em vantagem nos litígios com os povos tradicionais da região.
O Incra considerou que os procedimentos para a regularização das terras são complexos, daí não se caracterizar a existência de demora excessiva, conforme alegado pelo MFP. Disse ainda que não haveria possibilidade de cumprir todos os procedimento no prazo de 24 meses e relatou que os 14 processos que deram causa à ação ajuizada pelo Ministério Público estão em fases diferenciadas, encontrando-se com a tramitação paralisada apenas os que aguardam parecer da Fundação Cultural Palmares. Informou ainda que está priorizando os processos relativos à regularização das terras quilombolas da Ilha do Marajó e disse que não pode ser responsabilizado por certos atos do procedimento, porque a desapropriação é ato privativo da Presidência da República.
“Injustificável” - Mesmo diante dos argumentos do Incra, o juiz federal José Flávio de Oliveira classificou de “injustificável” o atraso na tramitação dos processos de regularização. Dos 14 processos listados pelo MPF, ressaltou o magistrado, apenas um foi autuado em 2004, cinco foram autuados em 2005, um em 2006 e sete no ano 2007. Fica comprovado, afirma a decisão, “que o caminhar desses processos é nitidamente muito vagaroso, o que demonstra violação ao princípio da duração razoável do processo , garantia constitucional de aplicação a todos os ramos dos Poderes da República, não se desincumbido o réu (Incra) de demonstrar que o atraso não decorre de suas precárias estruturas de trabalho, o que também não seria justificativa, vez que, com a presença da União no polo ativo, também há responsabilidade por esse atraso, se se admitisse que é por falta de recursos públicos ou ausência de força de trabalho, que não é o caso.”
Ao constatar o que chamou de “flagrante atraso na delimitação das propriedades dos remanescentes das comunidades de quilombos”, o juiz federal da 5ª Vara se disse convencido que isso caracteriza “descaso das autoridades envolvidas e violação dos direitos humanos dessas populações, que são remanescentes de sistema de direito que permitia a escravidão e, atualmente, são excluídos sistematicamente de acesso aos bens mais primários, inclusive o acesso à terra, merecendo a atuação pronta e rápida dos poderes públicos.”
José Flávio de Oliveira entendeu, porém, que não será preciso aplicar multa diária de R$ 1 mil ao Incra, em caso de descumprimento da liminar. “Quanto à aplicação da multa diária, não se afigura necessária, nem há justificativa para tanto, porque a mora (demora) já existente não descumpriu nenhuma decisão judicial, embora seja violadora de outros comandos jurídicos”, fundamentou o magistrado.
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