segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A história diabólica


Jamais, até então, o declínio de um império havia custado tantas vidas humanas, arrasado tantas cidades e destruído regiões inteiras. Hitler sabia, havia muito, que a guerra estava perdida. Os primeiros comentários nesse sentido já haviam sido feitos em novembro de 1941. Entretanto, sua força destruidora ainda teria muito fôlego. Hitler tinha ódio pela humanidade, a solidificação de padrões de pensamentos arraigados desde cedo, uma tendência ao impensável, que, durante tanto tempo, levaram-no de vitória em vitória – antes do fim eminente.
Para compreender e imaginar os acontecimentos deve-se ter em mente a autoridade indiscutível que Hitler ainda emanava, apesar do consenso geral sobre sua debilidade. Era raro alguém que ousasse contradizê-lo. Generais experientes e oficiais altamente condecorados emudeciam durante os informes diários, mantendo-se impassíveis a muito custo. Assim, também, seguiam ordens que lhe eram dadas, por mais que o desvario e a insensatez fossem patentes.
A estrutura bizarra da ocupação alemã, aguçada com o fanatismo da “missão racial germanizadora” após 1941, foi o principal componente da derrota nazista. Muito antes que o mundo tivesse conhecimento do horror dos superlotados campos da SS no Reich em 1945, e bem longe dos olhos de todos os jornalistas, os campos de prisioneiros da Wehrmacht (Forças armadas alemãs) na frente Leste continham horrores ainda maiores em magnitude.
A loucura de uma política nazista de diretrizes rígidas, incapaz de admitir desvios de regras ao genocídio em massa, não foi apenas perversa, mas desastrosa. Perpetuou um nacionalismo fanático, responsável por impossibilitar à maioria dos povos conquistados qualquer tipo de cidadania ou direito à vida. A loucura do império de Hitler dissimulou até mesmo as bases decompostas da ciência racial nazista. Saber distinguir um alemão de um eslavo (ou até de um judeu) não era algo passível de consenso. Foram silenciados os integrantes da ciência eugênica nazista que após enormes pesquisas para apontar os eslavos “germanizáveis”, duvidaram até mesmo da existência de uma “raça alemã”. Otmar von Verschuer, chefe de Josef Mengele, chegou a caracterizar os judeus como “uma variedade mestiça, basicamente indistinguível dos alemães em termos de sangue”.
“O Império de Hitler”, de Mark Mazower (Companhia das Letras), mostra como esses debates nunca chegaram ao grande público, pois foram muito bem protegidos pelo regime. O que chegava e a paranoia de Hitler divulgava, sobretudo depois de 1941, eram as “características” que os “antropólogos raciais” nazistas atribuíam aos judeus: “O balanço do andar, o gosto pelo alho, as neuroses, a fala intelectualizada e tagarela e a tendência ao crime de colarinho-branco”. Um pitoresco que, digamos, beirava àquela compulsão típica dos transtornos mentais.
Pierre Milza, renomado historiador francês, em “Os Últimos Dias de Mussolini” (Jorge Zahar), apresenta uma pormenorizada reconstituição das 72 horas finais de Benito Mussolini, em abril de 1945, e tudo o que restava da República de Saló, aquela parte da Itália não ocupada pelos aliados e ainda sob o controle dos fascistas. Os testemunhos mais contraditórios do episódio da execução do Duce e de sua amante, Clara Petacci, são examinados por Milza, que derruba o difundido mito de uma Itália majoritariamente voltada contra o Duce e de um punhado de fascistas irredutíveis a soldo dos nazistas.
Entre muitas versões e os variados testemunhos daqueles dias, algumas questões permanecem sem respostas. Onde foram parar a fortuna e as duas sacolas com documentos confidenciais que o Duce e seu séquito carregavam na bagagem? A correspondência trocada com Churchill, incluindo duas cartas de 1939 comprometedoras para o estadista britânico? Duce era um doente psiquiátrico e poderia muito bem ser visto como parte da história diabólica que resultou no maior genocídio da história do século XX.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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