O recurso do MPF foi apresentado à Justiça Federal de Marabá e pode ser encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região caso a primeira instância não reconsidere a decisão do juiz João César Otoni de Matos, que negou seguimento ao processo no último dia 16 de março, dois dias após a apresentação da denúncia.
No recurso, os procuradores da República Tiago Rabelo, André Raupp, Ubiratan Cazetta , Felício Pontes Jr, Andrey Mendonça, Sergio Suiama e Ivan Marx reafirmam a compreensão de que o processo contra Curió não contradiz a Lei de Anistia e o julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal.
Além disso, os procuradores ressaltam que a denúncia trata de crimes contra a humanidade, reafirmam os argumentos da inicial e apontam diversas lacunas na decisão judicial, que deixou de considerar documentos constantes dos autos e não se pronunciou a contento, por exemplo, sobre a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil a apurar os crimes do Araguaia.
Desaparecimentos forçados – No recurso, o MPF diz que a decisão, presume a morte para fins penais, o que não é possível. Os procuradores citam documento da Advocacia-Geral da União juntado ao processo que informa: “as pesquisas realizadas durante as buscas a corpos de guerrilheiros no Araguaia indicam a possibilidade de alguns guerrilheiros estarem vivos, dentre eles Hélio Luiz Navarro e Antônio de Pádua Costa, duas das vítimas citadas na denúncia”.
Para o MPF, a Justiça Federal cometeu equívoco ao não analisar esse documento e, mesmo assim, concluir que “não se tem notícia sequer de esperança ou fundada suspeite de que algum dos inúmeros guerrilheiros capturados na região do Araguaia durante o período da ditadura militar possa ainda ser encontrado com vida”. Em virtude das informações da AGU, a Polícia Federal inclusive foi acionada para investigar a possibilidade dos guerrilheiros desaparecidos estarem vivos.
O MPF também cita carta do irmão da guerrilheira Maria Célia Corrêa, a Rosinha, enviada aos procuradores da República em Marabá recentemente. Na carta, Aldo Creder Corrêa diz:
- Nossa família não acredita que a Maria Célia está morta, até que se prove o contrário. Não descartamos a hipótese de que ela possa estar viva; aliás, a incerteza de tudo que foi ocultado dos familiares nos traz o sentimento de que ela não se foi. Se outras pessoas – autoridades, sociedade e outros familiares – dizem saber que ela está morta, nós temos a expectativa de que isso tem que ser investigado e resolvido. Saibam que nós, familiares de Maria Célia Corrêa, temos expectativa de que ela seja encontrada
Outra questão contestada pelo MPF é a presunção de morte dos guerrilheiros a partir da lei 9.140/95, que declarou como mortos os desaparecidos durante o regime militar, para fins civis. Os procuradores sustentam que essa lei não tem abrangência penal.
“E se alguma das pessoas indicadas na Lei 9.140 apresentar-se viva? Seria defensável afirmar que ela está morta para todos os fins?”, perguntam. Eles lembram ainda que, por ser desconhecido e incerto o destino dos desaparecidos durante o regime militar, a própria lei 9.140 prevê, em seu artigo 3º, que: “em caso de dúvida, será admitida justificação judicial”, o que revela o caráter relativo dessa declaração de morte.
Crimes permanentes
O entendimento do MPF está sustentado em decisões do próprio Supremo Tribunal Federal que, em pedidos de extradição de militares argentinos acusados de desaparecimentos forçados e sequestros, confirmou que “somente no caso de haver realmente o procedimento de declaração judicial - com provas de que a pessoa realmente faleceu e declaração judicial, que, dentre outras coisas, fixe a data provável da morte, com a expedição da certidão de óbito, nos termos do parágrafo único do art. 7º do Código Civil - é que se poderá falar em efeitos penais e, portanto, em extinção da punibilidade, pois sem tal sentença permanece sempre a dúvida”.
O ministro Cezar Peluso, em voto durante um desses julgamentos, afirmou que ante a ausência de exame de corpo de delito direto ou indireto, o homicídio não passa “no plano jurídico, de mera especulação, incapaz de desencadear fluência do prazo prescricional”. Ou seja, quem comete crimes de desaparecimento forçado não pode se beneficiar do instituto da prescrição. Como resultado desses julgamentos, o militares puderam ser extraditados e julgados em seu país por crimes cometidos durante a ditadura argentina.
Para o MPF, a Justiça não pode presumir a morte dos guerrilheiros desaparecidos, porque não há provas nesse sentido. Se as mortes de fato ocorreram, no momento não está provado e isso deve ser discutido dentro do processo criminal contra Curió. A Justiça também deve levar em consideração que, em outro pedido de extradição, “o STF não só tipificou o desaparecimento forçado de militantes políticos argentinos como sequestro qualificado, como também afirmou que a natureza permanente e atual do delito afasta a regra de prescrição”.
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