Otávio Pereira: um homem simples, que construiu seus sonhos sem afoitezas, mas com a ousadia dos grandes |
Essa galera de hoje, cheia de tablets, smartphones, Instagram, WhatsApps e quejandos, é uma pena que tantos jovens de hoje não saibam quem são essas figuras marcantes que vão desaparecendo em Santarém, levadas pelas contingências incontroláveis que o tempo, essa abstração implacável, impõe a qualquer um.
É uma pena que o desaparecimento de personagens tão marcantes para Santarém, como Otávio Pereira, desapareçam sem despertar maiores comoções.
Otávio José de Siqueira Pereira, o Otávio Pereira, era bancário. Enquanto fez carreira no Banco da Amazônia, desenvolvia paralelamente as atividades de proprietário do serviço de propaganda volante que fez história em Santarém.
Era o Serviço de Propaganda Volante Guarany, que ele instalou num Jeep verde e saía pelas ruas da cidade, vocalizando os acontecimentos da cidade e prestando um indispensável e inestimável serviço de utilidade pública naquela Santarém dos anos 60 e 70, ainda sem televisão, com pouquíssimos exemplares de jornais locais e de Belém circulando com regularidade e com apenas duas emissoras de rádio, a Educadora (depois Rural) e a Clube, esta última com potência que mal alcançava alguns bairros da periferia, se muito.
Naquela Santarém, era Otávio Pereira quem fazia a propaganda volante. Era o locutor e o motorista ao mesmo tempo. E nada lhe escapava.
Vai haver um Rai-Fran, o clássico local São Raimundo x São Francisco, equivalente ao Re-Pa em Belém? Os alto-falantes instalados no Jeep dirigido por Otávio propagavam, em alto e bom som, todas as informações básicas, para não que o torcedor não ficasse na mão.
E as festas dos finais de semana - no Fluminense, no Veterano, no Bonsucesso, no São Francisco, São Raimundo? Otávio Pereira é quem informava sobre os horários, o preço dos ingressos, tudo.
Os comícios em tempos de eleição? Lá estava o Serviço de Propaganda Volante Guarany informando pelas ruas da cidade sobre o local da concentração, o horário da passeata e tudo o mais.
O falecimento de um filho ilustre de Santarém? Era Otávio quem informava um pouco sobre a vida do falecido, o horário do velório e do sepultamento.
Um filme, ou melhor, uma película nova que Hollywood produzira anos e anos antes, mas que chegava a Santarém para ser exibida nas telas do Cine Olímpia de Raul Loureiro? Sim, Otávio Pereira também deixava os santarenos informados.
Chegou à cidade um cantor de sucesso, em geral da Jovem Guarda, trazido por Ércio Bemerguy, também bancário do Banco da Amazônia e locutor da Rádio Rural? Otávio Pereira ajudava a divulgar o show.
E nas festas de Nossa Senhora da Conceição, com arraiais funcionando na praça em frente à Igreja Matriz?
Ali Otávio Pereira também marcava presença, já não mais em serviço volante. Ele ficava numa cabinezinha - também esverdeada, se não me engano -, que funcionava como um mini, mini, miniestúdio. De lá, anunciava para toda a praça ouvir - ou quem sabe para toda a cidade - os recados que os namorados ou paqueras, enamoradíssimos, mandavam uns para os outros. Eram recados que terminavam, claro, sempre com uma música que era oferecida para ajudar na conquista ou manter quem já estava conquistado. Ou conquistada.
De seu estúdio, Otávio Pereira também anunciava as crianças que eventualmente estavam perdidas pela praça, a programação litúrgica do dia, o cardápio da barraca da festa e o que mais fosse.
O Serviço de Propaganda Volante Guarany tanto cresceu que se transformou no Sistema Guarany de Comunicação, composto inclusive de rádio FM.
As últimas vezes em que vi Otávio Pereira, sempre acompanhado de sua filha, a amiga Aliete, foram em dois momentos muito difíceis. Uma delas, há pouco mais de oito anos, quando minha mãe faleceu, e em setembro de 2012, quando meu pai, que por décadas foi colega de banco de Otávio, também faleceu.
Em ambas as oportunidades, era visível a sua fragilidade física, em decorrência da idade avançada. Mas ali estava o amigo, um homem simples, que construiu seus sonhos evitando a avidez e as afoitezas que poderiam atropelá-los, mas com a serenidade e, ao mesmo tempo, a ousadia dos grandes.
Otávio José de Siqueira Pereira.
Que Deus e Nossa Senhora da Conceições o guardem para a eternidade.
E um abraço forte em todos os seus familiares.
2 comentários:
Eu o conheci, imagina, Paulo, na casa de tio Luís Gabi,também falecido. Sempre me chamou a atenção aquela maneira solitária de vender sonhos e coisas ao volante de um jipe. Depois vieram empreendimentos maiores, como a Rádio Guarany, Otávio com os filhos crescidos e eu na garupa de uma lambreta do Dutra, o Manuel, pelas ruas arenosas da cidade. Mas, enfim, a primeira lembrança dele me remete à janela da casa do velho Rodrigues dos Santos, ali na São Sebastião,no dia em que o homem chegou à lua...
Paulo, lembro-me bem daquele Serviço de Alto Falante. O texto retrata uma época de vida simples, sacrificada, mas com pessoas de reconhecidos valores e a tranquilidade daquela nossa terra. Que Deus acomode em bom lugar, na eternidade, aquele comunicador simples e eficaz!
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