AMARÍLIS TUPIASSU
É sempre difícil verbalizar a desmesura. A dificuldade aflorou ante a extensa produção de Benedito Nunes, ao escrever sobre um homem de mente viva, profusa, devotado, serenamente, ao saber, à inquirição do ser em sentido universal. Este foi seu ofício ininterrupto, desde que, ainda quase menino, terminou o então ginasial, entre 1941 e 1948, no Colégio Moderno em Belém.
Benedito Nunes e as mais rígidas definições de sábio andam juntos, reiteram altas mentes do Brasil e de outros países, onde floresce sua obra do sábio paraense. Especifico a obra escrita, pois Benedito teve uma obra oral, suas aulas, conferências, debates, entremeados de intervenções momentâneas, espelho de argúcia intelectiva, infelizmente não gravada, a lição do sábio. Ele lega a quem não usufruiu de sua docência, sua escrita tersa, aguda, excelentemente bem urdida que testemunha o rigor, o viço intelectual, admirável saber, sua mente atilada, exemplar. Benedito foi acabado modelo de sabedoria. Poucos se ajustaram, de modo tão resoluto e intransigente, às exigências do estudo e do ensino que frutifica em marcas perenes no discípulo. Sua escrita atrai e excita, desarma os ardis do falso, insufla e disseca o real para que aflore a verdade mais provável.
No caso dele, é fácil atestar. Tomo levantamento de sua obra, feito por Vitor Sales Bentes, um de seus discípulos. E constato: Benedito Nunes só queria saber de saber. Depois da debulha, não recolhia a fruta, que outras leiras de saber o aguardam. Por isso, louvo Célia Jacob, coordenadora de Letras da Unama, que editou um número da revista “Asas da Palavra” todo voltado à obra do mestre. E ao Vítor Bentes que trabalha, junto a editoras brasileiras por dar a público sua obra.
Conto seus livros. Vinte e cinco. Os publicados e os a publicar, a maioria, por editoras de fora do Pará. Todos essenciais à ampliação do saber filosófico, literário, das artes em extensão universal, sem que o filósofo descure da fortuna e do infortúnio de sua região amazônica tão nublada por desconsertos. Há ainda cento e setenta e três estudos profundos, de têmpera irrepreensível. E livros organizados por ele, e colaborações em livros nacionais, e as principais colaborações em livros estrangeiros. E ele ainda se dedicava a traduções. Isso está explicitado na Asas da Palavra em que docentes amazônidas e de universidades brasileiras estudam as idéias e o pensamento de Benedito.
Admirável sua dedicação ao saber. Admirável sua obra votada ao pensar, o filósofo desdobrando-se desde as eras remotas da filosofia, ele a perscrutar e inquirir. Sua mente era tal se colasse o ouvido no tempo para sentir as palpitações vivas de Homero, p.ex., para já escutar às vozes da filosofia nas nascentes e crescentes. Num átimo, toma outros rumos, exulta com a palavra de Clarice Lispector, encanta-se por Drummond, vigia com ardor a heteronímia pessoana, finca os olhos nas veredas rosianas, passeia com Camilo Pessanha, com Camilo Castelo Branco e abisma-se com a agudeza ideativa de Heidegger, de Nietzsche. Ao mesmo tempo, está aqui e longe com seu filtro de palavras, e decanta, enlaça saberes aparentemente estanques. Não sossega. Fita as chuvaradas dos campos floridos, e também famintos, os de Dalcídio Jurandir. E segue com Max Martins, Ruy Barata, Paulo Plínio, com Haroldo Maranhão e Francisco Paulo do Nascimento Mendes, todos interlocutores reais nas cogitações estético-filosóficas. Admirável como Benedito move sua fundição de saberes, tanto que filosofia, crítica estética e um vário lastro de conhecimento conformam o esplendor de sua especulação.
Recordo um quadro terno. Estamos em volta de uma mesa na Editora da UFPA, Benedito Nunes, Vitor Bentes e a editora Laís Zumero. Falávamos da edição de “Do Marajó ao arquivo: breve panorama da cultura no Pará”. Eu tinha dois volumes de livro lindos (literatura e arte) de uso em liceu da França. Benedito Nunes bate com os olhos nos livros. E enternece o bendito sábio-infante, alumbrado, sorridente, virando as páginas, o brilho do olhar, só cintilações sobre a primorosa iconografia. Ele comenta, passa de leve as mãos nas páginas para sentir-lhe a textura, sorri embevecido, distraído, esquecido da reunião. Foi rápido na montagem de uma como que cerca invisível onde se refugiou para saborear a descoberta. Mas precisou emergir. Fechou os volumes, os livros sob as mãos do menino Bené. À saída, já de pé, agarrava os volumes. Ele tinha o seu quê tímido. Não se conteve, porém: “De quem são estes livros?” “- Meus, Bené, respondi.” “ - Me empresta?” E lá se foi, ledo e fagueiro. A fascinação por livro penetrava a carne e os poros de sua escrita jamais banal, toda profundidade. Rara, sua agudeza mental. Um bendito comedor de livros, um magno, infinito sábio.
*Texto extraído de saudação proferida, em 23 de novembro de 2009, quando o Professor Benedito Nunes recebeu o título de professor Honoris Causa pela Unama.
Benedito Nunes e as mais rígidas definições de sábio andam juntos, reiteram altas mentes do Brasil e de outros países, onde floresce sua obra do sábio paraense. Especifico a obra escrita, pois Benedito teve uma obra oral, suas aulas, conferências, debates, entremeados de intervenções momentâneas, espelho de argúcia intelectiva, infelizmente não gravada, a lição do sábio. Ele lega a quem não usufruiu de sua docência, sua escrita tersa, aguda, excelentemente bem urdida que testemunha o rigor, o viço intelectual, admirável saber, sua mente atilada, exemplar. Benedito foi acabado modelo de sabedoria. Poucos se ajustaram, de modo tão resoluto e intransigente, às exigências do estudo e do ensino que frutifica em marcas perenes no discípulo. Sua escrita atrai e excita, desarma os ardis do falso, insufla e disseca o real para que aflore a verdade mais provável.
No caso dele, é fácil atestar. Tomo levantamento de sua obra, feito por Vitor Sales Bentes, um de seus discípulos. E constato: Benedito Nunes só queria saber de saber. Depois da debulha, não recolhia a fruta, que outras leiras de saber o aguardam. Por isso, louvo Célia Jacob, coordenadora de Letras da Unama, que editou um número da revista “Asas da Palavra” todo voltado à obra do mestre. E ao Vítor Bentes que trabalha, junto a editoras brasileiras por dar a público sua obra.
Conto seus livros. Vinte e cinco. Os publicados e os a publicar, a maioria, por editoras de fora do Pará. Todos essenciais à ampliação do saber filosófico, literário, das artes em extensão universal, sem que o filósofo descure da fortuna e do infortúnio de sua região amazônica tão nublada por desconsertos. Há ainda cento e setenta e três estudos profundos, de têmpera irrepreensível. E livros organizados por ele, e colaborações em livros nacionais, e as principais colaborações em livros estrangeiros. E ele ainda se dedicava a traduções. Isso está explicitado na Asas da Palavra em que docentes amazônidas e de universidades brasileiras estudam as idéias e o pensamento de Benedito.
Admirável sua dedicação ao saber. Admirável sua obra votada ao pensar, o filósofo desdobrando-se desde as eras remotas da filosofia, ele a perscrutar e inquirir. Sua mente era tal se colasse o ouvido no tempo para sentir as palpitações vivas de Homero, p.ex., para já escutar às vozes da filosofia nas nascentes e crescentes. Num átimo, toma outros rumos, exulta com a palavra de Clarice Lispector, encanta-se por Drummond, vigia com ardor a heteronímia pessoana, finca os olhos nas veredas rosianas, passeia com Camilo Pessanha, com Camilo Castelo Branco e abisma-se com a agudeza ideativa de Heidegger, de Nietzsche. Ao mesmo tempo, está aqui e longe com seu filtro de palavras, e decanta, enlaça saberes aparentemente estanques. Não sossega. Fita as chuvaradas dos campos floridos, e também famintos, os de Dalcídio Jurandir. E segue com Max Martins, Ruy Barata, Paulo Plínio, com Haroldo Maranhão e Francisco Paulo do Nascimento Mendes, todos interlocutores reais nas cogitações estético-filosóficas. Admirável como Benedito move sua fundição de saberes, tanto que filosofia, crítica estética e um vário lastro de conhecimento conformam o esplendor de sua especulação.
Recordo um quadro terno. Estamos em volta de uma mesa na Editora da UFPA, Benedito Nunes, Vitor Bentes e a editora Laís Zumero. Falávamos da edição de “Do Marajó ao arquivo: breve panorama da cultura no Pará”. Eu tinha dois volumes de livro lindos (literatura e arte) de uso em liceu da França. Benedito Nunes bate com os olhos nos livros. E enternece o bendito sábio-infante, alumbrado, sorridente, virando as páginas, o brilho do olhar, só cintilações sobre a primorosa iconografia. Ele comenta, passa de leve as mãos nas páginas para sentir-lhe a textura, sorri embevecido, distraído, esquecido da reunião. Foi rápido na montagem de uma como que cerca invisível onde se refugiou para saborear a descoberta. Mas precisou emergir. Fechou os volumes, os livros sob as mãos do menino Bené. À saída, já de pé, agarrava os volumes. Ele tinha o seu quê tímido. Não se conteve, porém: “De quem são estes livros?” “- Meus, Bené, respondi.” “ - Me empresta?” E lá se foi, ledo e fagueiro. A fascinação por livro penetrava a carne e os poros de sua escrita jamais banal, toda profundidade. Rara, sua agudeza mental. Um bendito comedor de livros, um magno, infinito sábio.
*Texto extraído de saudação proferida, em 23 de novembro de 2009, quando o Professor Benedito Nunes recebeu o título de professor Honoris Causa pela Unama.
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AMARÍLIS TUPIASSU é professora. O artigo está públicado na página 11 do primeiro caderno de O LIBERAL, edição de hoje.
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