OSWALDO COIMBRA
Há mais de uma década, os jovens vêm sendo identificados como membros de uma "geração sem palavras". A presença intensiva na educação informal deles dos novos meios de comunicação que se utilizam sobretudo de imagens teria afetado de modo extremamente danoso a capacidade deles de se expressarem verbalmente. Para mostra isto, jornais e revistas publicam listas de erros grosseiros de linguagem verbal, cometidos nos exames de ingresso para as faculdades.
O meio de comunicação que mais teria contribuído para o empobrecimento dos recursos de expressão verbal destes jovens seria a internet, onde eles se comunicam através de um código composto de palavras abreviadas. No entanto, por ironia, na internet milhares de textos escritos por jovens tornam despropositado este discurso alarmista. Tais textos se concentram em sites e blogs parecidos com os antigos cafés literários, nos quais os jovens artistas se encontravam para mostrar suas produções literárias.
São sites e blogs criados com uma sensibilidade artística que não se esgota somente na criação de bons textos. Estende-se também até as programações visuais. Cores, fotos e desenhos são usados, neles, para enquadrar esteticamente poemas, crônicas e relatos. Estes espaços na internet se ligam a redes transnacionais, mas quem ler o material veiculado neles notará o seu caráter aleatória. Constantemente, os criadores destes blogs e sites os extinguem, para em seguida inaugurarem outros, sem se importar com a manutenção de registro de sua produção.
Um destes espaço é o http://girassol-giralua.blogspot.com/, mantido por Tayná Borges, uma paraense de 18 anos de idade, que já deve ter aberto e fechado pelo menos uns dez blogs. De permanente na produção dela há só um diálogo - denso e comovente - com a jovem escritora e desenhista portuguesa Patrícia Lino, de mesma idade.
Se lessem este texto, com sua pontuação intencionalmente irregular, escrito por Tayná Borges, os defensores da teoria da "geração sem palavras" talvez ficassem desconcertados:
"Nunca as palavras haviam fugido de mim.
tenho uma pedrinha no bolso. uma pedrinha que foi polida com os meus pedidos de noite desesperada. ando com a tua blusa no ombro. ela nunca saiu de lá, na verdade. quando o sol vem e eu ainda estou acordada, esqueço o que é ver poeiras dançantes. as ruas continuam cheias e eu continuo sem andar por elas. o pé quente toca o chão frio e nenhuma formiga aparece. parece que todo mundo foi embora. mas eu nunca iria, porque você sempre fica. talvez a saudade seja um grito abafado, que eu não consigo conter. tudo que eu sempre quis foi ver todas as cores dos teus olhos. sem saber que, ao vê-las, eu não acharia mais as cores do mundo tão bonitas. marca do copo na mesa, xícara com flores. os cigarros são apagados nas cicatrizes".
E mais desconcertados ficariam diante do texto "Mil pétalas". Tayná tinha apenas16 anos de idade, quando o escreveu:
"mil pétalas a espalhar-se pelo chão. sou movida a sonhos. solto fumaça e mordo até sangrar. deixo-te a loucura nos lábios, ao despedir-me de teu leito. não há quem me pegue sem tirar um pedaço de mim. vou, assim, desestruturando-me. tayná sem braço. tayná sem perna. tayná sem olhos e, aos poucos, sem coração. porque tudo aqui vai endurecendo e o vento não é tão bonito quando parado. os cachorros brincam de lamber-me os ossos.raiva. revoluções no estômago. querem me expulsar de mim. enquanto eu tenho prelúdios de vômitos, os passageiros olham-me com desprezo. não sei o que mais faço para com essa poesia individualista. eu devia criar personagens, sentir-me mãe".
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OSWALDO COIMBRA é jornalista e pesquisador da UFPA
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