Por Ronaldo Pilati (*)
Freqüentemente crimes que chocam a opinião pública são amplamente veiculados nos meios de comunicação. Nas últimas semanas temos assistido a uma intensa cobertura da mídia sobre o caso da menina Isabella, assassinada na cidade de São Paulo. Se o indiciamento que foi divulgado for levado à Justiça há uma grande probabilidade do(s) acusado(s) serem levados a júri popular. Neste caso, um grupo de sete cidadãos comuns definirá sobre a culpa ou inocência do(s) réu(s).
Neste momento de grande clamor um aspecto chama a atenção dos interessados no processo de deliberação legal: a publicidade prévia, por meio da extensa exposição do caso na mídia, pode influenciar a decisão dos jurados? O Código de Processo Penal define que os aspectos que devem ser considerados pelos jurados são aqueles apresentados durante o julgamento, a saber: na leitura dos autos, no interrogatório das testemunhas e partes e nos argumentos das teses de acusação e defesa. As pesquisas sobre a psicologia dos jurados apontam para indícios de que a publicidade prévia pode ter efeitos sobre a forma pela qual os jurados interpretam e relembram as informações que embasam sua decisão.
Infelizmente é escassa a pesquisa empírica brasileira sobre os processos de julgamento e tomada de decisões dos jurados. Isso significa que pouco podemos dizer sobre a psicologia dos jurados no processo penal brasileiro, pois pouco a estudamos. É muito difícil recorrer a conhecimentos produzidos fora do Brasil, pois o direito comparado nos mostra que os processos penais diferem muito entre os países, o que implica em situações distintas para a tomada de decisão dos jurados. No Brasil a decisão do júri é baseada no princípio da íntima convicção, que determina a deliberação por contagem de votos secretos individuais. Também é vedada, em nosso código, a discussão ou troca de informações sobre o caso entre os jurados. Essas características têm impacto central na psicologia da tomada de decisões do jurado, pois é unicamente com base em suas impressões, construída ao longo do julgamento, que cada um tomará sua decisão.
A publicidade prévia pode funcionar como um mecanismo direcionador de atenção e, conseqüentemente, influenciar substancialmente a recordação dos argumentos que embasam a decisão do jurado. Um aspecto que tem sido divulgado sobre caso em questão diz respeito a índole agressiva do pai. Dos raríssimos estudos nacionais sobre o assunto há um indício de que jurados homens tendem a utilizar características de personalidade do réu como fator determinante de seu julgamento. Informações prévias que estruturam um estereótipo do jurado sobre um réu podem ter um efeito fundamental em sua decisão. É óbvio que devemos considerar que os jurados sabem perfeitamente qual é a sua tarefa quando assentam no tribunal e, certamente, fazem esta tarefa de maneira séria e idônea.
Mas a psicologia do jurado já levantou informações suficientes, na pesquisa feita em outros países, de que, muitas vezes, as informações prévias podem ser utilizadas inconscientemente para guiar suas hipóteses e crenças prévias ao julgamento. Será que isto também ocorre em nossa realidade processual? Este aspecto é central, pois tem implicações diretas sobre um dos pilares do processo penal brasileiro, no qual a dúvida deve levar a presunção de inocência. Neste contexto, que efeito teria a publicidade prévia sobre a tomada de decisões dos jurados? Há que se investigar empiricamente.
Não há dúvidas que, neste caso, todo o processo legal será respeitado e os acusados serão levados a julgamento no tribunal do júri, se assim for de entendimento da justiça. Mas casos como esses, que nos chocam e recebem uma extensa atenção dos veículos de comunicação, podem provocar distorções nos processos de tomada de decisão dos jurados, trazendo conseqüências indesejáveis na aplicação do código de processo penal. Distante da discussão sobre a culpa ou inocência dos acusados deste caso, muito menos da liberdade que a imprensa deve ter para divulgar suas informações, o estudo empírico da psicologia dos jurados pode nos trazer informações importantes para a compreensão do comportamento dos atores de nosso processo judiciário, dando contribuições significativas para a prática profissional dos profissionais da área.
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Ronaldo Pilati é professor de Psicologia Social do Departamento de Psicologia Social e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Psicologia.
Fonte: UnB
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