Trechos da decisão do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki (que pode ler na íntegra aqui),
afastando temporariamente o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do exercício do
mandato e da presidência da Câmara:
"Não há a menor dúvida de que o investigado
não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua
plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados,
pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da
República, já que figura na condição de réu."
"Os elementos fáticos e jurídicos aqui
considerados denunciam que a permanência do requerido, o Deputado Federal Eduardo
Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de
Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as
investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo
que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada,
absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente,
justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas.
Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que
o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da
Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e
moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos."
"A ascensão política do investigado à
posição de Presidente da Câmara, além de não imunizá-lo de eventuais medidas
penais de caráter cautelar, concorre, na
verdade, para que o escrutínio a respeito do cabimento dessas medidas seja ainda mais
aprofundado."
"O requerido responde hoje a 5 (cinco)
inquéritos nesta Corte (Inquéritos 3.983, 4.146, 4.207, 4.231 e 4.232), três
deles inexistentes ao tempo do
requerimento, os quais se encontram em diferentes fases de tramitação. O primeiro, em que é denunciado pelos
crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter, segundo a acusação, recebido
valores indevidos - no montante de US$ 5.000.000,00 - para pressionar o retorno
do pagamento das propinas, valendo-se de requerimentos, formulados por
interposta pessoa e com desvio de finalidade,
perante o Congresso Nacional (fls. 193-277), teve denúncia parcialmente
recebida pelo Plenário desta Corte em julgamento recente, de 3 de março próximo
passado."
"Para se qualificar ao exercício da
substituição, porém, parece elementar que deverá o Presidente da Câmara dos
Deputados cumprir com requisitos mínimos para o exercício da Presidência da
República. É indispensável, como a própria Constituição se ocupou de salientar,
que seja ele brasileiro nato (art. 12, § 3º, II). É igualmente necessário que o
Presidente da Câmara dos Deputados não figure
como réu em processo penal em curso no Supremo Tribunal Federal. Isso porque,
ao normatizar as responsabilidades do Presidente da República, o texto
constitucional precatou a honorabilidade do Estado brasileiro contra suspeitas
de desabono eventualmente existentes contra a pessoa investida no cargo,
determinando sua momentânea suspensão do cargo a partir do momento em que
denúncias por infrações penais comuns contra ele formuladas sejam recebidas
pelo Supremo Tribunal Federal. A norma suspensiva não teria qualquer sentido se
a condução do Estado brasileiro fosse transferida a outra autoridade que também
estivesse sujeita às mesmas objeções de credibilidade, por responder a processo
penal perante a mesma instância."
"Poderes são politicamente livres para se
administrarem, para se policiarem e se governarem, mas não para se abandonarem
ao descaso para com a Constituição. Embora funcionem, esses Poderes, sob o
impulso de suas respectivas lideranças, embora tenham autonomia para perseguir
os louvores e os fracassos daqueles que temporariamente lhes imprimam comando,
são todos eles geneticamente instituídos pela mesma Constituição, e por isso
estarão sempre compromissados com o seu espírito. Os poderes da República são
independentes entre si, mas jamais poderão ser independentes da Constituição."
"O mandato, seja ele outorgado pelo povo,
para o exercício de sua representação, ou endossado pelos demais deputados,
para a liderança de sua instituição, não é um título vazio, que autoriza
expectativas de poder ilimitadas, irresponsáveis ou sem sentido. Todo
representante instituído nessa República tem ao menos dois compromissos a
respeitar: um deles é com os seus representados; o outro, não menos importante,
é com o do projeto de país que ele se obriga a cumprir ao assumir sua função
pública. A sublime atividade parlamentar só poderá ser exercida, com
legitimidade, se for capaz de reverenciar essas duas balizas. Se os interesses
populares vierem a se revelar contrários às garantias, às liberdades e ao
projeto de justiça da Constituição, lá estará o Supremo
Tribunal para declará-los nulos, pelo controle
de constitucionalidade. Mas não são apenas os produtos legislativos que estão
submetidos ao controle judicial. Também o veículo da vontade popular – o
mandato – está sujeito a controle. A forma preferencial para que isso ocorra,
não há dúvida, é pelas mãos dos próprios parlamentares. Mas, em situações de
excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos
de
quebra da respeitabilidade das instituições, é papel do STF atuar para
cessá-los, garantindo que tenhamos uma república para os comuns, e não uma
comuna de intocáveis."
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