segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Equilíbrio rompido


Antes da Primeira Guerra, havia no mundo a ilusão de uma paz duradoura. Quem viveu a primeira década do século XX na Europa e sobreviveu às três seguintes tinha fartas razões para apelidar o período interrompido, traumaticamente, pelos acontecimentos de 1914 de belle époque. Antes do início da Grande Guerra – renomeada como Primeira Guerra depois que surgiu a segunda, ainda mais devastadora, para rivalizar com ela –, existia a convicção de que o mundo havia adentrado em uma era duradoura de estabilidade com progresso. Havia sinais de que a humanidade avançava para um estágio de crescimento e convivência pacífica.
Esse equilíbrio foi rompido pelo atentado terrorista que matou o improvisado herdeiro do vasto Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando. O arquiduque era um estepe elevado à condição de herdeiro da coroa pelo suicídio do primo e foi morto no atentado de Saravejo antes de assumir o trono. Esse lamentável acontecimento desencadeou a Grande Guerra. Esse assassinato rompeu o equilíbrio geral. A cegueira de intelectuais da época, entre eles o soldado-poeta Rupert Brooke, ajudou a arrastar jovens ingleses para o inferno das trincheiras, que compraram a visão romântica dos intelectuais de que a paz era um tédio e a guerra a solução para todos os males.
A diplomacia foi um fracasso. Os diplomatas e os chefes de governo da Europa tiveram um mês para evitar as forças centrípetas da guerra. A ambiguidade da estratégia dos ingleses anulou boa parte dos esforços de paz. O chanceler inglês Edward Grey – que não tinha vocação para o cargo – tentou evitar a guerra, mas sua maneira de trabalhar pode ter contribuído para desencadear o conflito. Se tivesse deixado claro que a Inglaterra defenderia a França, teriam os alemães insistido na investida bélica? Ao anoitecer, observando pela janela um funcionário acender as luzes da rua, Grey disse: “As lâmpadas estão se apagando na Europa inteira. Nós não as veremos brilhar outra vez em nossa existência”. A frase de Grey entrou para os livros de história como um prenúncio da guerra que mataria milhões de pessoas. Mas que também pode ser interpretada como uma lamúria da inoperância da diplomacia, que perdeu a chance de evitar o pior.
A reboque do equilíbrio rompido, catástrofes foram se desencadeando como efeito dominó e os bolcheviques se beneficiaram do caos. Dois senhores ilustres são personagens da história: Vladimir Lenin e Léon Trotsky. São revolucionários russos. Eles depuseram a família imperial russa e mandaram matar seus integrantes, homens, mulheres e crianças. Consolidaram seu poder com base no terrorismo contra os adversários políticos e criaram a União Soviética, experimento comunista que durou 74 anos, implodido em 1991 pela força destruidora de suas próprias contradições.
A história mal começava para os revolucionários russos. Livres das pressões da guerra externa, os bolcheviques trataram de solidificar internamente seu poder. A máquina de propaganda comunista mundo afora propagava a mensagem de paz – que, incrivelmente, duraria até a Operação Barbarossa, nome-código para disparar a invasão da União Soviética, iniciada em 22 de junho de 1941. A propaganda soviética era reverberada no Ocidente por intelectuais mesmerizados pela utopia de um mundo sem classes.
A crença religiosa no que emanava de Moscou cegou inúmeros intelectuais para a realidade do que ocorria dentro das fronteiras da União Soviética: totalitarismo implacável com os dissidentes, censura, controle pelos agentes do Estado de todas as atividades artísticas e culturais, assassinatos em massa. Mas o pragmatismo dos líderes soviéticos mostrava que se deveria dar prioridade à consolidação do poder e à integridade das fronteiras da Rússia. Esse foi o caminho com a morte de Lenin e a ascensão de Josef Stalin, seguida do exílio de Trotsky, seu opositor, assassinado no México, em 1940, por Ramón Mercader, a mando de Stalin.

--------------------------------------------------

SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

Nenhum comentário: