terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A barreira da mente


Apesar de todos os avanços, a mente humana permanece bem guardada. Sigilosa. O mundo dos bytes é cada vez mais invasivo, porém a chave ainda está conosco. “O que você está pensando?” - perguntam redes sociais. E as nossas respostas mais objetivas podem estar muito longe do que paira em nossa cabeça. A barreira da nossa mente tem o segredo dos átomos não estudados. Nada termina em próton, nêutrom e elétron. Pensamento é a energia mais volátil. Estava aqui, e decolou na aterrissagem.
Não há filosofia, teoria ou crença capaz de invadir a mente. Podem existir lampejos de transcendência quando algo se descortina por alguma técnica ou revelação espiritual. Mas é gota no oceano. Orvalho sobre o abismo do mar. O mundo cabe na mente. Galáxias têm diminuto espaço. A eternidade esconde-se num cantinho do pensamento.
Pensamento não paga imposto, já dizia o lendário Ulpiano. Não há crime em pensar. Se um músculo não quebrar a barreira mental, isso não dará em nada. A estrada do delito começa no ato preparatório. Se duas mentes perversas externarem o pensamento, aí a coisa se complica. Saiu da boca, contaminou. Eis a sabedoria do Mestre. “Como?”, indagaria algum leitor, perplexo. “Quer dizer que um exterminador pode andar à solta nas ruas?” Exatamente assim. Até que ele dê alguma pista, não podemos fazer nada. Velha limitação. Não prendemos o pensamento. Não existe Alcatraz mental. Prendemos somente o corpo. A mente continuará viajando a mil.
Mas, imaginemos o lado bom. Não enjaulamos só delinquentes. Até santos estiveram algemados. Paulo, o apóstolo, viveu muito isto. E usou bem a liberdade. “A Palavra de Deus não está algemada” foi seu brado de liberdade a Timóteo. Estava em seu espírito. Graças à barreira mental, ninguém impediu que Paulo orasse e escrevesse suas cartas. Mandela pensou bastante no cárcere e, saindo, derrubou o Apartheid. Temos uma presidente do exílio. Dilma pôde pensar enquanto sofria, e hoje governa o País. Só a tortura extrema pode matar o pensamento. Porém, quando isto acontece, os muros da mente se fecham. Desabam de fora para dentro. A pessoa não pensará doravante. Mas seus pensamentos serão blindados de vez. Ninguém pisará esse terreno.
Essa barreira da mente é que permite nossa convivência. Se lêssemos pensamentos, o mundo seria um caos. Muita “educação” findaria. Palavras não seriam bastantes. Aliás, talvez deixássemos de falar e, com isso, até o pensamento poderia morrer. Relação de causa e efeito. Acho que o mundo viraria um campo de batalha. Seria difícil sairmos de casa. Nossos aborrecimentos subiriam a patamares doentios. Na verdade, nós seríamos o que exatamente somos, apenas estaríamos descortinados. Para sobrevivermos, precisaríamos de grande treinamento mental. Pensamentos e emoções seriam matéria de todos os graus. Adultérios. Mentiras. Ódios. Tanta coisa que acobertamos seria revelado a todos. Uma tragédia!
Por outro lado, conheceríamos algumas coisas interessantes. Conheceríamos mesmo a verdade. Por exemplo: o público saberia na hora o que o ministro religioso pensa durante a homilia. Acabaria o segredo dos discursos. Talvez até o Congresso acabasse. Horário eleitoral, nem se fala. Amigos verdadeiros seriam revelados. Muitos judas pulariam do barco. E correríamos para abraçar alguns que a gente discrimina. Todos os relacionamentos passariam por uma espécie de “recall”. Talvez poucos tivessem conserto, mas, enfim a gente saberia o que o nosso cônjuge pensa. As mulheres adorariam esta parte. Pobres homens!  Os pais saberiam o que os filhos pensam. Pobres meninos!
E os processos judiciais? Bem, iam ficar mais baratos, porém, não haveria mundo para prender tanta gente. Quem fosse pego pensando mal seria levado em cana. A mente dos policiais e dos juízes também estaria publicada. Não haveria julgamento tendencioso que a gente logo não soubesse. E aí? Como ficariam esses juízes? Presos também? Não sei. Difícil seria viver. A verdade se transformaria em problema sério. Mentirinhas perderiam a graça. “Não disse, para evitar uma briga” nunca mais seria dito. A briga começaria antes.
Se a barreira da mente fosse rompida, bem provável desmoronasse a internet. Leríamos a verdade na tela. No jornal. Nos livros. Saberíamos o pensamento de jogadores, técnicos e presidentes de clubes. Como disse, seríamos exatamente o que somos hoje, apenas estaríamos descobertos. Então, o que você acha? Pensa que eu posso estar certo? Sério mesmo? Olha!

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RUI RAIOL é escritor.
www.ruiraiol.com.br

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