RUI RAIOL
Às vezes, olho pessoas caminhando nas ruas e reflito quantos problemas elas devem carregar. Vejo o desenho de seus corpos frágeis, cortando o espaço, e fico admirado de que é justamente naquela porção de matéria que moram tantas preocupações. Por um ensaio, imagino que se o transeunte deixa de existir, desaparecendo aquele receptáculo, some também um mundo de situações que muito podem incomodá-lo.
Onde estão os problemas do mundo? Desde a preocupação com o alimento diário até grandes questões mundiais? Por incrível que pareça, quase todos os problemas do mundo estão dentro da gente. Eles estão em nossa mente, em nosso mundo imaginário e emotivo.
Faça agora um inventário de seus problemas e descubra quanto de realidade eles contêm. Pouco. Muito pouco. Para começo de conversa, grande parte dos problemas está fora de cronologia, situam-se no passado ou no futuro. Se provêm de tempo decorrido, eles surgem como frustração, remorso ou arrependimento. Emocionais. Desprovidos de realidade fática, algo que temos hospedado para nos atormentar. Se problemas têm por base o futuro, então eles são expectativa, ansiedade, medo. Novamente, mentais. Desprovidos de realidade, porque ainda não atingimos o tempo à nossa frente. Deveríamos abandonar esse mau presságio. Dentro de uma abordagem bastante ampla, o mundo não tem problemas. Temos nós.
Pense comigo: uma pessoa vive amargurada porque não consegue pagar uma dívida com um banco. Este, sem dar a mínima para a saúde do devedor, liga todo dia. Perturba. Processa. Executa. A pobre pessoa não encontra paz. Não dorme direito. Não suportando a pressão, suicida-se. Sabe o que vai mudar no cenário do dia? Nada. Dia seguinte, o banco abrirá normalmente. As máquinas de cobrança vão ligar de novo. Sabendo do óbito, o banco acionará sua seguradora, que o indenizará, restabelecendo-lhe o capital. Ora, se quando morremos, um problema pode desaparecer, por que não podemos ser perdoados em vida? Hipocrisia. Desonestidade. Iniquidade. Dívida impagável. Tudo isto tem o banco, que age dessa forma. E o devedor vivo? Não, ele não tem nenhum problema, pois sabe que sua vida não está nesse nível de negócio.
Empreguei este exemplo extremo para demonstrar que muitos problemas que nos atormentam não estão com essa bola toda. Não são o monstro que aparentam ser. E também para falar de um problema mais real. Grande maioria, porém, não lida com esse tipo de situação. Muitos problemas só existem em nossa cabeça. Preocupação. Isto mesmo: pré-ocupação. Estamos atarefados mentalmente com o tempo que ainda não chegou, sem pelo menos sabermos se o alcançaremos. Ansiedade. Medo. Insegurança. Em nome de quê? Por que motivo? Pela vida, diriam alguns. Mas a vida é algo tão indiferente a esse mundo cognitivo sombrio! Resume-se a um punhado de ar, um gole d’água, uns raios de luz e um pedaço de pão. É isso que faz a nossa máquina girar. E como preocupação cansa, pelo menos poupemos energia.
Desaparecendo o homem, desaparecem os problemas. Individuais e coletivos. Imagine que a própria Terra estaria a salvo se a humanidade fosse dar uma voltinha no espaço, pois mesmo problemas desse tipo têm solução. Florestas. Rios. Mares. Fauna. Tudo estaria salvo. Os problemas não estão no mundo. Estão em nossas mentes. Em nossas ações. Não é possível, portanto, que nossa presença aqui seja algo tão negativo. Não é. Vamos lá. Anime-se! Valemos mais enquanto estamos vivos. Pensemos somente em soluções, jamais em problemas. E, se não as encontrarmos, confiemos em Deus e durmamos.
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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br
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