Marília Góes, quando foi empossada no TCE do Amapá, em fevereiro do ano passado. Se não há ilegalidade na nomeação, como ficam outras questões de natureza ética? |
A matéria, assinada pelos repórteres Jan Niklas e Luisa Marzullo, reserva ao caso do Pará um págrafo específico. "Já no Pará o governador Helder Barbalho (MDB) emplacou nas duas últimas vagas que foram abertas no TCM sua tia, Mara Lúcia, e seu ex-vice-governador, Lucio Vale. Este último é réu em uma investigação que apura desvios de R$ 39,6 milhões em dez municípios paraenses", afirma o texto.
O primeiro - Nem a propósito, o assunto da manchete de O Globo ganha destaque num momento em que crescem as especulações de que Helder estaria prestes a inaugurar um novo status em sua carreira política: o de ser o primeiro governante do Estado do Pará a ter suas contas submetidas ao escrutínio da própria mulher.
Desde a semana passada, especula-se que a primeira-dama do Estado, Daniela Barbalho, advogada com inscrição ativa e regular perante a Secional da OAB-PA, poderá ocupar o cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Estado (TCE), por indicação de representantes de vários partidos com assento na Assembleia Legislativa.
Até agora, a indicação não foi formalizada. Mas, se o for, o processo deve começar na própria Alepa, cuja Comissão de Constituição e Justiça irá analisar, primeiro, se estão presentes os requisitos constitucionais para que Daniela Barbalho vire conselheira.
Os requisitos previstos na Constituição do Pará são: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; possuir comprovada idoneidade moral e reputação ilibada; possuir notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública; contar com mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional.
Nepotismo? - A probabilidade - fortíssima, segundo algumas fontes - de a mulher do governador ser nomeada pelo próprio Helder para conselheira, o que aconteceria após passar em arguição dos deputados, levanta uma questão primordial: a eventual nomeação configuraria um caso de nepotismo, terminantemente vedado pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo?
Precedentes indicam que não. Até porque todas as nomeações de familiares para tribunais de contas acabam sendo mantidas. Apesar de o nepotismo ser proibido no serviço público, as decisões favoráveis aos indicados seguem jurisprudência do próprio Supremo, que já se manifestou pela constitucionalidade da indicação de parentes em funções de natureza política, como é o caso de ministros e secretários de Estado.
Um dos casos mais conhecidos envolve Marília Góes. Em fevereiro do ano passado, ela tomou posse no cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Amapá. Na época, ela era deputada estadual pelo PDT e foi indicada pela Assembleia Legislativa, um processo igualzinho ao que, supõe-se, será feito aqui.
Waldez Góes, atual ministro do Desenvolvimento Regional e marido de Marília, era o governador. Mas, por via das dúvidas, ele tomou a cautela de não assinar o decreto de nomeação da mulher. O ato foi assinado pelo governador em exercício, Jaime Nunes.
Poucos dias após assumir o cargo, a conselheira teve sua posse suspensa por decisão liminar da juíza Alaíde Maria de Paula, da 4ª Vara Cível de Macapá, atendendo a pedido formulado em ação popular.
Mas a liminar da magistrada não se sustentou por mais de uma semana. A defesa da conselheira recorreu e o desembargador Gilberto Pinheiro, que inclusive fez boa parte de sua trajetória na magistratura atuando no Pará, suspendeu a liminar e manteve Marília Góes no cargo, onde se encontra até agora.
Com base nesses precedentes, especialista em Direito Administrativo ouvido pelo Espaço Aberto acha muito difícil prosperar qualquer iniciativa, no âmbito judicial, para barrar a posse de Daniela Barbalho, caso ela venha realmente a ser indicada para a vaga no TCE.
"A impossibilidade de que uma nomeação, nesse moldes, venha a ser obstada por decisão do Poder Judiciário não afasta, por outro lado, os incontornáveis conflitos éticos que por certo ocorrem em situações como essa. Isso porque, como os membros dos tribunais de contas têm a atribuição de aprovar ou rejeitar as contas de chefes do Executivo, não há como deixar de ser esdrúxulo um conselheiro atuar em julgamentos nos quais são envolvidos primos, irmãos ou cônjuges, por exemplo. Pode-se objetar que, em julgamentos específicos, esses conselheiros poderão dar-se por suspeitos ou impedidos, mas, mesmo assim, o conflito ético permanece, porque prevalece o bem maior, o da moralidade pública, independentemente de quem seja o interessado imediato em determinado julgamento", explica o especialista.
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