No Brasil, não há cidade mais emblemática a respeito do Natal que Belém do Pará. Aproveitando esse simbolismo, gostaria de pensar com você como seria o nascimento de Jesus em nossa cidade nestes dias. Para o ensaio, precisamos apenas transportar o fato para nosso contexto social, político e religioso. E considerar que Jesus ainda não nasceu, mas nascerá dentro de poucos dias em nossa cidade de Belém. Vejamos.
Sendo 2010 ano de eleições, o TRE está convocando cidadãos para atualizarem seus títulos. Porém, isso deve ser providenciado no domicílio eleitoral de cada um. Um casal de interioranos pobres está nesse rol. Por essa causa, catam as moedas e partem para a grande cidade de Belém do Pará. É a terra onde José e Maria irão atender à convocação oficial. Eles vêm de uma região fluvial, pois são ribeirinhos que sobrevivem longe do grande centro.
Todavia, não bastasse a travessia cansativa e arriscada da baía de Guajará num pequeno barco, a esposa de José está na última semana de gravidez. E faz tempo que José não vem à capital paraense. Na verdade, a última passagem por aqui foi em 1980, quando ainda era um menino. Não há parentes nem amigos esperando o casal.
Ao desembarcar no porto da Palha, José procura logo saber o endereço da seção eleitoral onde deve efetuar o cadastro. E, depois de muito trabalho, só no dia seguinte consegue a informação. Porém, uma fila interminável adia ainda mais o recadastramento. São 18h do dia seguinte, quando enfim o casal sai como o novo título.
Porém, o estresse mexeu muito com Maria. Ela sente dores que prenunciam o parto. Mas os dois não podem ver o primogênito nascer debaixo da marquise do prédio abandonado onde estão passando esses dias. Belém está cheia. Não há vaga nas pousadas populares que cobram diárias de R$ 30,00. É final de ano. Vão então procurar as maternidades públicas. Porém, há duas dificuldades: Maria não fez o pré-natal, condição indispensável para ser atendida. Também, devido à correria de fim de ano, não há médico de plantão, embora o salário do profissional esteja garantido.
A solução poderá estar na rede privada de hospitais. Todavia, os interioranos não têm plano de saúde nem R$ 5.000,00 para um depósito antecipado. O jeito mesmo é voltar para o velho prédio abandonado. E é nesse lugar que acontece o Natal. Jesus nasce em meio a menores de rua, mendigos e cães famintos que dividem o espaço comum. Prevenida, Maria puxa um lençol limpinho que guardava a tiracolo. E envolve seu primogênito com o pano.
Lá fora, a cidade está em festa. Igrejas cheias. Cantatas e corais esgotam seus repertórios. Shoppings transbordam. É uma correria geral. Faltam poucos dias para a chegada no Ano Novo. Belém está enfeitada de luzes e cores. Mesas fartas contrastam com o cardápio do velho casarão. Aqui, pequenos peixes assados fazem a alegria da família informal, junto à fogueira que espanta a escuridão e o frio.
Maria e José vão logo apresentar Jesus no templo. Querem fazer isso ainda em Belém, lugar de catedrais imponentes e importantes ministros. Mas uma triste notícia estraga a alegria do casal: é preciso pagar uma taxa. O jeito é procurar igrejas de periferias. Aqui, talvez Jesus ganhe uma cortesia. Mas o preço é esperar o último ato do culto. Maria está cansada, o menino estressado e faminto. Porém a apresentação só acontece mesmo no "amém".
Agora, só resta à família voltar à pequena ilha onde mora. E esperar que daqui a dois mil e nove anos Belém reconheça que, debaixo daquela marquise abandonada, nasceu o Salvador do mundo, e que o Natal é tempo de simplicidade.
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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)
Um comentário:
Um grade abraço, Pastor Rui.
Nessa nesga de fraternidade que rompe a muralha permanente do egoísmo, você criou um ato comovente de Natal. Deveria ser enecenado em praça pública. Fica a idéia para o próximo ano, se sobrevivermos...rsrsrs..
Abração procê também, Paulo.
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