Dos colunistas de “Veja”, o jornalista José
Roberto Guzzo, um dos mais antigos da casa e também diretor editorial do Grupo
Exame, talvez seja um dos poucos alinhados, para não dizer alinhadíssimos, com
o governo Bolsonaro.
Desde 1º de janeiro, quando o Capitão assumiu,
Guzzo tem utilizado um estilo à beira do panfletário, defendendo abertamente e
escancaradamente o governo.
Algum problema?
Acho que nenhum.
É ótimo que uma voz dissonante firme suas
posições – igualmente dissonantes.
Faz parte de qualquer democracia, ainda que nesta
nossa os que pensam diferente uns dos outros estejam ao ponto de se apedrejar.
Literalmente.
Por isso mesmo, por seus posicionamentos
francamente favoráveis ao governo Bolsonaro, Guzzo merece ter registrada sua repulsa,
clara e contundente, à decisão do Capitão de nomear o filho Zero Três embaixador
nos EUA.
Leia, a seguir, o artigo de Guzzo, publicado na
penúltima edição da revista sob o título Não,
não pode.
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Uma das tarefas mais difíceis desta vida, por
alguma razão ainda não explicada pela ciência, é aprender uma de suas regras
mais fáceis. A regra é a seguinte: certas coisas não se fazem. Não têm
nada a ver com o fato de serem permitidas ou não por lei. Também podem não ser,
em si mesmas, boas ou más, certas ou erradas. São, apenas, coisas que não se
fazem. Por quê? Porque não se fazem, só por isso — não por uma pessoa dotada de
coeficientes médios de decência, consideração pelos outros e boa educação. E quais
são elas? Aí, se você não sabe, temos um problema. Ou se aprende isso antes dos
10 anos de idade, ou não se aprende nunca. A língua inglesa tem uma expressão
admirável a esse respeito: “It’s not done”. Na tradução mais direta quer dizer:
“Não se faz” — e há todo um universo moral contido nesse “não se faz”. É o que
divide, no fundo, a qualidade interior dos seres humanos. Quem sabe
naturalmente o que não se deve fazer, sem ter de perguntar a cada meia hora se
deve agir assim ou assado, está no lado do bem. Quem não sabe está no lado
escuro da força.
Uma
das coisas mais evidentes no bloco daquilo que “não se faz” é nomear seu filho
como embaixador do Brasil nos Estados Unidos — se você, justamente, é
o presidente do Brasil. Quem, com um mínimo de bom-senso, pode ter alguma
dúvida a respeito de uma coisa dessas? Tanto faz se ele vai, no fim das contas,
ser embaixador ou não: um homem público, seja qual for o seu cargo no governo,
não pode nomear parentes para outro cargo público, qualquer cargo público. Se for
o presidente da República, então, aí é que não pode mesmo — principalmente se
vai ter de fazer isso na frente de todo mundo. Uma coisa, muito bacana, é
promover os valores da família. Outra, muito diferente e muito ruim, é promover
os membros de sua família a empregos cinco-estrelas dentro do governo. Quer
dizer que o filho do presidente, só por ser filho do presidente, não pode ser
embaixador nos Estados Unidos? Sim, quer dizer isso mesmo: não pode.
Pois é, a vida é assim — e ainda bem que é
assim. Presidentes da República, mais que quaisquer outros servidores da
população, têm de pagar um pedágio alto para ocupar o seu cargo, e ninguém
precisa ficar com dó, pois eles estão lá porque quiseram muito estar; não foram
obrigados.
A
decisão do presidente Jair Bolsonaro de indicar seu filho Eduardo para
a embaixada brasileira em Washington é um desastre com perda total. A soma das
qualificações que Eduardo tem para o cargo não chega a zero. Mas mesmo que ele
fosse o melhor embaixador possível de ter hoje nos Estados Unidos, um novo
Barão do Rio Branco, isso não mudaria nada, porque filho não pode ser nomeado —
e pronto. Bolsonaro, nesse caso, teria de mandar para lá o segundo melhor, e
tocar a bola para a frente. Paciência. Não vale, também, o argumento de que os
diplomatas brasileiros detestam Bolsonaro, e que o Brasil se prejudica com
isso. É verdade. Em geral eles já têm vergonha de ser brasileiros; com
Bolsonaro na Presidência, então, passaram a ter pavor de representar um governo
“fascista”. E daí? Eles vão continuar exatamente assim; isso não se resolve nem
se você nomear Deus Padre em pessoa para Washington.
Ninguém se lembra quem foram os embaixadores
brasileiros nos Estados Unidos nos últimos anos, diz o presidente. De fato:
daria para encher um museu de nulidades com o pessoal que tem passado por lá.
Mas a saída, então, seria nomear mais uma nulidade? É certo, também, que
Bolsonaro não é defendido pela diplomacia brasileira das acusações de ser um
ditador, um homofóbico e um racista. Mas os fatos estão a seu favor. Ditadores
não aprovam projetos com 74% dos votos da Câmara dos Deputados, como acaba de
ocorrer na reforma da Previdência. Não há, em seis meses de seu governo, uma
única decisão contra homossexuais. Não há um episódio sequer de racismo. É nisso
que o presidente tem de investir — nos fatos, e não em Eduardo. Em vez de
reclamar, e nomear o filho para ser embaixador, ele terá de continuar
demonstrando, pelos seus atos, que não é ditador, homofóbico nem racista.
Ponto-final.
Pessoas
que muito erraram na vida têm um sonho tão precioso quanto impossível: voltar
ao passado, por uns modestos instantes, só para não fazer os erros que fizeram.
O arrependimento, como se sabe, deveria vir antes do pecado; a vida seria
outra, se fosse assim. Infelizmente, só vem depois — e aí já não adianta nada.
Bolsonaro, nessa história, tem a chance de se arrepender antes de pecar.
Deveria aproveitar, correndo.
Um comentário:
O Helder Barbalho já nomeou 8 Barbalhos e não vi esta fúria do Blog sobre este assunto. A ultima nomeação foi da ex madrasta para uma chefia na SEFA.
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