segunda-feira, 20 de agosto de 2012
O mundo é uma aldeia
Quase todos os dias, jornais e canais de televisão noticiam operações antimáfia com prisões em diversos países. Reportagens breves que não deixam marcas na opinião pública, acostumada e indiferente. No fundo - pensa-se -, são histórias que não dizem respeito à nossa vida. A globalização dos capitais e das atividades criminosas se reflete na globalização dos deslocamentos e das residências de grandes e pequenos chefes. Foi assim no passado, mas hoje é a regra.
Contudo, quando se prende um chefe em Caracas ou Toronto, em Málaga ou Nice, na Romênia ou em Bogotá, em Amsterdã ou na Escócia, na Argentina ou no Rio de Janeiro, não quer dizer que esse chefe escolheu uma dessas cidades como meta mais ou menos exótica e acolhedora para passar as férias ou para fugir da justiça do próprio país. A verdade é que, já há anos, esses lugares se tornaram praças centrais do mercado do crime gerido pelas máfias italianas. São o sinal inequívoco de uma colonização silenciosa e decenal, que não poupou nenhum canto do planeta.
Mas essa afirmação, mesmo evitando simplificações e generalizações, também corre o risco de ser redutiva e de alimentar a hipocrisia. É a hipocrisia, quando não a cumplicidade, de quem não quer ver as máfias apenas porque elas não se mostram, como nas imagens de velhos cartões-postais em preto e branco, de “boina e fuzil”, ou não se manifestam no cotidiano com o rosto brutal da violência sanguinária. Um problema que diz respeito não apenas à Itália, fruto de corrupção, convivência consciente ou de subestimação culpada e incompreensão do fenômeno.
É o que aconteceu no Brasil. O “talentoso” Valter Lavitola, de 46 anos, quadrilheiro, extorsionário, proxeneta e comerciante de peixe no Brasil, têm ligações com a máfia e chantageia o ex-amigo Silvio Berlusconi. A revelar a ameaça do lado B de Berlusconi para a alegria da mídia peninsular, embora os jornais, revistas e tevês de propriedade do ex-primeiro-ministro a tenham obviamente ignorado, foi a própria irmã de Valter (Valterino para os amigos), Maria, em depoimento aos promotores de Nápoles, que o entregou. Valterino no momento veraneia na cadeia, de onde, por meio da irmã, saboreia os efeitos de sua chantagem. Três dias depois das revelações de Maria, seu irmão retornava à Itália, depois de passar oito meses foragido no Brasil, na Argentina e no Panamá. Era esperado pelos carabinieri e pela prisão de Poggioreale, perto de Nápoles.
O contato com o Brasil começa em 2004, quando Lavitola chega para administrar uma firma pesqueira no Rio. A Empresa Pesqueira da Barra de São João Ltda., que carrega uma história bastante peculiar, não se interessa pela fauna marinha do Sul do Atlântico, e sim mediterrânea, incluindo “crustáceos, moluscos e de tudo um pouco”. Sabe-se que 90% da exportação dirigia-se para a Europa e 10% abastecia os EUA. Ninguém sabe onde fica a verdade, o certo é que hoje Lavitola não administra mais a Pesqueira. Fontes que pedem o anonimato sustentam que os negócios de Lavitola no Brasil e no Panamá foram irrigados por 3 milhões a 5 milhões de euros cada mês, entre 2004 e 2009.
A Justiça italiana, em poucos meses emitiu ordens de prisão contra Lavitola por corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, chantagem e difamação. Ah, você percebe a semelhança – na Corte, o julgamento da máfia do Mensalão. É o julgamento de uma “globalização oculta”, o conflito final e decisivo das naturezas fracas e decadentes, as vidas- que-não-deram-certo. Esse julgamento é um instrumento único para entender as dimensões dessa “economia bandida” que intoxica a sociedade brasileira mais do que podemos imaginar.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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