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"Nenhum homem é uma ilha", escreveu o inglês John Donne em 1624, em uma frase que atravessaria os séculos como um dos lugares-comuns mais citados de todos os tempos. Todo lugar-comum, porém, tem um alicerce na realidade ou nos sentimentos humanos - e esse não é exceção. Donne foi um dos poetas extraordinários de seu idioma, conhecido sobretudo pelos versos sugestivamente eróticos. Mas, quando distinguiu os homens, dependentes uns dos outros por natureza, das ilhas, isoladas por definição, em sua Meditação XVII, estava em outra etapa de sua trajetória. Aferrara-se ao anglicanismo e virara pregador. Procurava, com essa estrofe célebre, expressar um tipo diverso de amor: o sentido de conexão que quase todos experimentamos com nossos semelhantes. "Cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; (...) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano", prosseguia sua Meditação. Durante toda a história da espécie, a biologia e a cultura conspiraram juntas para que a vida humana adquirisse exatamente esse contorno, o de um continente, um relevo que se espraia, abraça e se interliga.
A vida moderna, porém, alterou-o de maneira drástica. Em certos aspectos, partiu o continente humano em um arquipélago tão fragmentado que uma pessoa pode se sentir totalmente separada das demais. Vencer tal distância e se reunir aos outros, entretanto, é um dos nossos instintos básicos. E é a ele que atende um setor do mercado editorial que cresce a saltos largos: o da autoajuda, e em particular de uma autoajuda que se pode descrever como espiritual. Não porque tenha necessariamente tonalidades religiosas (embora elas, às vezes, sejam nítidas), mas porque se dirige àquelas questões de alma que, desde que o tempo é tempo, atormentam os homens. Como a perda de uma pessoa querida, a rejeição ou o abandono, a dificuldade de conviver com os próprios defeitos e os alheios, o medo da velhice e da morte, conflitos com os pais e os filhos, a frustração com as aspirações que não se realizaram, a perplexidade diante do fim e a dúvida sobre o propósito da existência. Questões que, como séculos de filosofia já explicitaram, nem sempre têm solução clara - mas que são suportáveis quando se tem com quem dividir seu peso, e esmagadoras quando se está só.
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