domingo, 31 de agosto de 2008

A Olimpíada que eu vi



Sou um aficionado pelo desporto. Isto me fez trabalhar muitos dias de ressaca, dormindo muito pouco, varando madrugadas para assistir a um espetáculo de rara beleza plástica: os Jogos Olímpicos de Beijing. Heróis, quantos heróis com feitos maravilhosos, pareciam não ser como nós, de carne e osso. Verdadeiros deuses que chegaram à Pequim pelas mãos de Zeus. Mas deles falaremos depois.
Infelizmente, a linguagem é linear, e as coisas têm que ser contadas em sucessão. Que fazer, a gente vive no tempo - há sempre um Carlos Arthur Nuzman, um Edson Arantes do Nascimento, um Ricardo Teixeira, Nosso Guia e outros menos votados. Gostaria muito de estar lá filmando, comentando durante estes 17 dias de competições e contar-lhes as verdades dos bastidores.
Mas, se não pude estar lá, se não posso me livrar da cronologia, posso pelo menos embaralhá-la à vontade como o fazem aqueles senhores que usam viseiras na fronte e jarreteiras nas mangas das camisas nos cassinos da vida. Carlos Nuzman parece que prima pela falta de criatividade e inventividade. Adora uma estatística e tem aquele "jeitão" de se achar expressivo, eloqüente, histriônico, quando pegava a palavra, ficava difícil que ela lhe fosse tomada.
Repetiu por dezenas de vezes: "É a maior delegação brasileira de todos os tempos" - orgulhava-se em Beijing o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Nuzman. Acha que o Rio de Janeiro está pronto para sediar a Olimpíada de 2016. Agora pasmem, o COB ainda não fechou o balancete e nem prestou contas das despesas dos Jogos Pan-americanos realizados recentemente no Rio de Janeiro. Muitas obras não foram terminadas, e algumas padecem da deterioração por falta de uso.
O pior é Nuzman raciocinar sempre com números, comparando delegações de outras Olimpíadas com a atual. Nosso Guia, que não sabe como se escreve Tae Kwon Do (o Brasil disputou isso também) e o ministro Orlando Silva, que ignora se a modalidade é disputada na água, na grama ou num trampolim. Os dois endossaram o estranho raciocínio desenvolvido por Nuzman.
Edson Arantes do Nascimento, com todo o respeito, estava lá porque faturou um bom dinheiro para fazer seu papel de propagar aos quatro ventos que o Brasil está no páreo para fazer do Rio de Janeiro, palco dos Jogos Olímpicos em 2016 e as famosas recaídas com as gafes costumeiras. Ricardo Teixeira, como bom "papagaio de pirata", só aparece nas fotos e joga melhor nos bastidores, onde corre solto e generoso o velho e conhecido "objeto misterioso". Sempre teve pretensões políticas, mas deveria ser menos canalha.
No país do futebol, mais um fiasco. O futebol masculino mais uma vez decepciona. Apesar de toda a mordomia, nossos rapazes acham que não têm obrigação de jogar com raça e não querem expor suas pernas. Seus poderosos clubes não permitem. Os argentinos foram os melhores, mas não são grandes coisas. Ricardo Teixeira chamou Dunga às falas e foi curto e grosso: "Como o ouro escapou das mãos, o bronze agora é obrigação".
No futebol feminino, considero nossa perda mais sentida. Marta se perguntava: "Meu Deus, o que fiz de errado?". Nada. Marta, você e todas as meninas foram muito dignas. Não se pode culpá-la por ter nascido aqui. Só teve a má sorte de chegar ao mundo pela mesma rota de Bárbara. A goleira da seleção entrou em campo depois de saber que perdera o emprego. E conquistou a medalha de prata.
O judoca que não tinha dinheiro para treinar, e que pediu perdão por não ter sido competente para derrubar seu oponente. A maratonista que correu nas ruas de Pequim com o uniforme do colega. A vara perdida da atleta que provavelmente lhe tirou a possibilidade de lutar por uma medalha. O vôlei masculino, com a derrota na Liga Mundial, já dava sintomas que não repetiria as façanhas a que estava acostumado e estávamos acostumados mesmo. Vocês também são nossos heróis e não precisam pedir desculpas.
O planejamento bem elaborado ainda é o maior segredo. Este fora o caminho que levou o vôlei ao topo do mundo em uma década. Em Pequim, a modalidade foi o destaque, com quatro medalhas. O diferencial do segundo esporte mais popular do Brasil é a preparação. Em Saquarema, no Rio de Janeiro, está à estrutura do esporte que se intitula tanto popular quanto ao futebol, sem a pretensão de ameaçá-lo. E a campanha irrepreensível no vôlei de quadra com as meninas de ouro, que durante a competição perderam somente um set.
Todos esperam que um dia o Brasil entre de vez no clube das potências pluriesportivas. Falta pouco? Falta tudo. Discorda a interminável procissão de vexames e fiascos que os patriotas, os idiotas e os muito espertos fingem não enxergar. Existem duas Olimpíadas: uma para uma parte da Imprensa brasileira e outra, real, de Pequim. Os resultados dos atletas brasileiros foram sofríveis; ademais, a sensação que nos passam é de estarmos ganhando tudo.
Em 88 anos, incluídas as medalhas que premiaram os soberbos desempenhos de César Cielo e Maurren Maggi, o País conquistou 19 medalhas de ouro. Cinco a mais que as obtidas por Michael Phelps em duas Olimpíadas. O fenômeno das piscinas é um vencedor também por ter nascido nos Estados Unidos. E as passadas gigantes do Jamaicano Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo, cujo segredo é um tubérculo que temos em demasia no município do Acará: a nossa famosa macaxeira. Nossos atletas medalhistas são heróis, apesar do Brasil. Foi assim que vi os Jogos Olímpicos de Beijing.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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