Quem ainda se lembra de Doha? A diplomacia brasileira apostou todas as fichas no G20 e em Doha. E falhou duplamente. Para o empresariado brasileiro, o agronegócio teria muito mais a ganhar se cuidasse das mazelas internas e parasse de se iludir com soluções externas mágicas. Especialistas afirmam que Doha apresenta chagas bem mais determinantes para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Esse simplismo prestou-se a esconder deficiências internas muito piores que os efeitos do protecionismo de países ricos.
Em julho, 21, passado, ministros do Comércio se reuniram na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), na esperança de destravar a interminável rodada de negociação de Doha. O objetivo é chegar a um acordo sobre um modelo para liberar o comércio de produtos agrícolas e bens industriais e "sinalizar" comprometimentos para o setor de serviços.
Esse "progresso" é frágil - alguém duvida? A Rodada de Doha não tirará mais de 100 milhões de almas da pobreza nem acrescentará centenas de bilhões à renda global, como alguns economistas uma vez ousaram sonhar. Desde a última rodada, alguns mercados emergentes reduziram suas tarifas de forma unilateral, sem esperar pela OMC.
A alta no preço dos alimentos tornou a rodada anacrônica, senão obsoleta. Doha impede que seus membros subsidiem a agricultura, mas não diz nada sobre o problema oposto, mais premente, de os governos banirem a exportação de alimentos. E, graças aos preços altos, as doações agrícolas (seriam subsídios?) dos Estados Unidos estão aquém dos limites previstos por Doha.
Parece um retorno com perda ponderal para mais de seis anos de negociações. Mas há duas razões para apoiar um acordo. Primeiro, vale a pena defender o status quo com paixão se a alternativa é muito pior. O crescimento do comércio vem se reduzindo e o sentimento protecionista, aumentando. Nos Estados Unidos, o apoio ao comércio caiu 25 pontos percentuais desde que Doha começou. Hoje, é mais baixo nos Estados Unidos do que na França.
O segundo motivo para apoiar Doha é amparar a própria OMC. Muitos argumentam que as rodadas comerciais são impossivelmente incômodas. O número de sócios é muito grande, a extensão das negociações ampla. A última rodada em 1994 durou mais. Estados Unidos e Europa pressionam os emergentes de tal forma tão dura em relação a tarifas industriais porque o resto dos assuntos que lhes interessam foi deixado de fora da pauta.
Na realidade, Doha foi um grande fracasso. Mas também não é nenhuma tragédia. No Brasil, houve uma glamourização do tema. Doha ganhou uma importância desproporcional ao seu alcance. Nos últimos cinco anos, foi vista como uma espécie de remédio mágico contra as doenças endêmicas do agronegócio. Os exportadores de carne bovina, suína e de aves certamente teriam chance de aumentar a presença no protegido mercado europeu. Havia também a perspectiva de conquistarmos cotas para venda de etanol. Sob esse aspecto o Brasil e o resto do mundo em desenvolvimento perderam.
Mas é preciso pôr fim ao cinismo. Impomos a nós mesmos a maior parte das barreiras. Houve um erro claro de estratégia da delegação brasileira nas conversas de Genebra. Saímos enfraquecidos desse episódio. É preciso ir atrás de parceria, é preciso derrubar a muralha. O Brasil já perdeu muito tempo e espaço nas relações comerciais com a China.
É, pois é, uma forma de aplacar conflitos comerciais potenciais sinalizados é correr atrás do prejuízo. Daí, Nosso Guia não ficar de fora da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Pelo menos 80 chefes de Estado suspenderam suas agendas e voaram para a China. Nosso Guia defendeu, com o peso político de sua presença, a candidatura do Rio de Janeiro a se tornar sede das Olimpíadas de 2016.
Mas a viagem pode ter melhor resultado se serviu para mostrar ao Nosso Guia e à diplomacia brasileira que o governo tem se descuidado da China. Isso é grave, por se tratar do maior parceiro comercial emergente do mundo e que, se não for encarado com prioridade, pode causar - e já está causando - enorme rombo em nosso comércio internacional.
Esse desleixo com a China e com outros parceiros importantes é mais um dos efeitos colaterais da aposta cega que o Brasil fez do sonho de um acordo global de redução de barreiras, frustrado com o fracasso da Rodada de Doha. Nosso Guia e seus ministros poderiam pelo menos se comprometer com os chineses a tocar com urgência uma agenda de ações positivas a serem acertadas entre o governo e setor privado brasileiros.
Salvar a Rodada de Doha, todos sabem, é apenas uma retórica conveniente. O que se trata agora é de agir objetivamente. Afinal, no campo comercial o que conta mesmo é o resultado em dólares. E o Brasil não pode se dar ao luxo de perder mais tempo.
Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
Em julho, 21, passado, ministros do Comércio se reuniram na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), na esperança de destravar a interminável rodada de negociação de Doha. O objetivo é chegar a um acordo sobre um modelo para liberar o comércio de produtos agrícolas e bens industriais e "sinalizar" comprometimentos para o setor de serviços.
Esse "progresso" é frágil - alguém duvida? A Rodada de Doha não tirará mais de 100 milhões de almas da pobreza nem acrescentará centenas de bilhões à renda global, como alguns economistas uma vez ousaram sonhar. Desde a última rodada, alguns mercados emergentes reduziram suas tarifas de forma unilateral, sem esperar pela OMC.
A alta no preço dos alimentos tornou a rodada anacrônica, senão obsoleta. Doha impede que seus membros subsidiem a agricultura, mas não diz nada sobre o problema oposto, mais premente, de os governos banirem a exportação de alimentos. E, graças aos preços altos, as doações agrícolas (seriam subsídios?) dos Estados Unidos estão aquém dos limites previstos por Doha.
Parece um retorno com perda ponderal para mais de seis anos de negociações. Mas há duas razões para apoiar um acordo. Primeiro, vale a pena defender o status quo com paixão se a alternativa é muito pior. O crescimento do comércio vem se reduzindo e o sentimento protecionista, aumentando. Nos Estados Unidos, o apoio ao comércio caiu 25 pontos percentuais desde que Doha começou. Hoje, é mais baixo nos Estados Unidos do que na França.
O segundo motivo para apoiar Doha é amparar a própria OMC. Muitos argumentam que as rodadas comerciais são impossivelmente incômodas. O número de sócios é muito grande, a extensão das negociações ampla. A última rodada em 1994 durou mais. Estados Unidos e Europa pressionam os emergentes de tal forma tão dura em relação a tarifas industriais porque o resto dos assuntos que lhes interessam foi deixado de fora da pauta.
Na realidade, Doha foi um grande fracasso. Mas também não é nenhuma tragédia. No Brasil, houve uma glamourização do tema. Doha ganhou uma importância desproporcional ao seu alcance. Nos últimos cinco anos, foi vista como uma espécie de remédio mágico contra as doenças endêmicas do agronegócio. Os exportadores de carne bovina, suína e de aves certamente teriam chance de aumentar a presença no protegido mercado europeu. Havia também a perspectiva de conquistarmos cotas para venda de etanol. Sob esse aspecto o Brasil e o resto do mundo em desenvolvimento perderam.
Mas é preciso pôr fim ao cinismo. Impomos a nós mesmos a maior parte das barreiras. Houve um erro claro de estratégia da delegação brasileira nas conversas de Genebra. Saímos enfraquecidos desse episódio. É preciso ir atrás de parceria, é preciso derrubar a muralha. O Brasil já perdeu muito tempo e espaço nas relações comerciais com a China.
É, pois é, uma forma de aplacar conflitos comerciais potenciais sinalizados é correr atrás do prejuízo. Daí, Nosso Guia não ficar de fora da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Pelo menos 80 chefes de Estado suspenderam suas agendas e voaram para a China. Nosso Guia defendeu, com o peso político de sua presença, a candidatura do Rio de Janeiro a se tornar sede das Olimpíadas de 2016.
Mas a viagem pode ter melhor resultado se serviu para mostrar ao Nosso Guia e à diplomacia brasileira que o governo tem se descuidado da China. Isso é grave, por se tratar do maior parceiro comercial emergente do mundo e que, se não for encarado com prioridade, pode causar - e já está causando - enorme rombo em nosso comércio internacional.
Esse desleixo com a China e com outros parceiros importantes é mais um dos efeitos colaterais da aposta cega que o Brasil fez do sonho de um acordo global de redução de barreiras, frustrado com o fracasso da Rodada de Doha. Nosso Guia e seus ministros poderiam pelo menos se comprometer com os chineses a tocar com urgência uma agenda de ações positivas a serem acertadas entre o governo e setor privado brasileiros.
Salvar a Rodada de Doha, todos sabem, é apenas uma retórica conveniente. O que se trata agora é de agir objetivamente. Afinal, no campo comercial o que conta mesmo é o resultado em dólares. E o Brasil não pode se dar ao luxo de perder mais tempo.
Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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